segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

AMAR É ESTAR CONECTADO

- Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos -

Conexão - Essa palavra, tão utilizada nos dias atuais, é de extrema importância na educação dos filhos. A conexão entre a mãe e a criança precisa ocorrer desde o nascimento. Na amamentação, no olhar, no toque, no tom de voz, os pais precisam estabelecer conexão. Para aplicar a Disciplina Positiva, desde a troca da fralda, ao banho, ao passeio, em qualquer atividade realizada com a criança, é preciso conectar-se com ela.

Mas, “o que é conexão? Qual a sua relação com a educação da criança?” - perguntou-me uma mãe, iniciante na DP. Para melhor compreender o termo, vamos refletir um pouco no seu sentido literal. Conectar é ligar uma coisa a outra, com a finalidade de enviar comandos e receber respostas. Seja um sistema de conexão elétrica ou uma conexão de banco de dados, é preciso que estejam bem ativadas para funcionar. Se não há pontos conectados e bem concatenados, não há comunicação entre as partes. Uma conexão elétrica inadequada, por exemplo, pode causar várias respostas inesperadas e negativas: o aumento do consumo de energia, curtos circuitos etc., gerando consequências que vão desde o desligamento dos aparelhos e das estruturas aos incêndios e fatalidades.

O que que quero dizer com isso? Que uma criança precisa estar e sentir-se conectada para poder enviar respostas positivas a seus cuidadores. Que você precisa compreender a sua criança quando está chorando ou com birra; precisa perguntar-se e saber dela o que sente; precisa tocá-la, olhar dentro de seus olhos e sentir o que não vai bem. Precisa abrir canais de comunicação seguros com o seu filho; precisa importar-se com o amadurecimento da sua relação com ele. Precisa aprender a tocar os seus aspectos afetivos e psicológicos, e isso é bem mais amplo do que usar a experiência materna/paterna. Quando um ponto de conexão falhar, você precisa estar pronto a construir novos pontos e a reestabelecer o vínculo. Porque sem vínculo, tudo pode desabar. Muitas vezes você vai precisar até ouvir e decifrar um grito, e não será agradável aos seus ouvidos. Mas terá que admitir que o grito pode ter surgido de uma falha na conexão. Aquele “fio” que você nunca conseguiu colocar no lugar, porque lhe faltou tempo e disponibilidade. Ao ouvir o grito, talvez você precise também desprender-se da visão autoritária do “Você vai ver quem manda aqui” / “Criança não tem querer”, e chamar o seu menino ou menina delicadamente ao diálogo e à escuta.

“Seu filho não veio com botão de liga/desliga”; a maternidade não lhe prescreveu ‘a fórmula’, não lhe presenteou com um manual. Não há fios para se fazer uma ligação; o cordão umbilical já foi rompido. É necessário refazer o elo! Um elo que não envolverá, necessariamente, algo material. Se você o olhar perceberá o ponto certo de acesso, e é aí que se encontra a parte agradável da conexão. Você precisará chegar bem pertinho dele; precisará olhá-lo sempre nos olhos; precisará sentir o seu coração, sua respiração; entender suas necessidades e desejos; conhecê-lo a fundo.

Para isso, você precisará conhecer ‘a alma’ de seu filho. A propósito, você já conhece seu filho? Sabe como fazê-lo feliz? Você entende o que o deixa irritado e triste? Conhece o seu maior desejo? Alguma vez, já tentou ajudar a seu filho a realizá-lo? Nessa vida corrida e cheia de imprevistos, muitas vezes deixamos passar tantos momentos bons e tantas oportunidades de conhecermos e fazermos os nossos filhos felizes. Aquela viagem que pareceu tão bela pode ter sido um fracasso em conexão, se foi dada mais importância às malas, aos gastos, aos amigos. Quantas vezes, após um dia inteiro de trabalho, nos vemos observando os nossos pequenos e percebendo que não estamos acompanhando o seu crescimento e que perdemos tantos episódios de sua vida que gostaríamos de ter assistido e participado. Se queremos construir com eles uma relação saudável e respeitosa, precisamos aprender a nos conectar.

Como fazer essa conexão? Estando inteiro/a com seu filho e permitindo que ele esteja inteiro com você, expondo-lhe seus sentimentos sem constrangimento ou medo; compreendendo o seu filho, construindo momentos de qualidade com ele, curtindo as suas ‘artes’ e folias; dando a atenção que a criança ou o seu adolescente necessita, de acordo a cada fase do desenvolvimento. Em vez de reclamações diárias, aprenda a dialogar e a compreender as suas atitudes e anseios; aprenda a escuta, a observação constante, a interação empática.

Ao contrário do que muitos pensam, a melhor forma de garantir um futuro feliz ao filho não é presenteando-lhe com uma poupança recheada, para que não lhe falte nada material, mas oferecendo-lhe sua presença, acolhimento e amor, para que, na descoberta do mundo, aprenda a lidar com as questões da vida com segurança, persistência, autocontrole, determinação e autoconfiança. O acolhimento, o brincar juntos, o diálogo, o colo, o sorriso, o abraço são os mecanismos necessários para a construção de uma excelente conexão entre pais e filhos. Uma criança que se sente compreendida, amada, respeitada, receberá as mensagens a ela transmitidas muito mais tranquilamente e enviará as respostas com mais segurança. Conectar-se é simples, fácil e barato. Os pais não dependem de um provedor; não dependem de uma empresa de telefonia, nem modem, nem plano mensal. O único provedor e ferramenta que precisam é, sem dúvida, o amor.


Andréa Mascarenhas

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

“FAÇA O QUE EU DIGO, MAS NÃO FAÇA O QUE EU FAÇO"

- Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos -

A palavra tem força considerável na educação das nossas crianças e adolescentes; as atitudes, porém, têm muito mais eficácia. Elas são capazes de impactar positiva ou negativamente as ações e comportamentos de nossos filhos e filhas. No cotidiano, ensinamos muito mais do que o que pensamos. Na entonação da voz, nos gestos finos ou grosseiros; e até em como tocamos os nossos pequenos, revelamos as nossas intenções e o nosso pensamento sobre o funcionamento do mundo e das pessoas. Nessa interação, uma gama de aprendizados, conceitos e valores vão se formando, e imediatamente passam a ser vivenciados por eles. Ao apresentarem comportamentos incompatíveis com os discursos, os pais embaraçam a mente das crianças e tendem a formar valores opostos ao que pretendem. Aí entra em questão uma palavrinha incrível, excepcional, indispensável na educação dos filhos, chamada exemplo.

Estava eu assistindo a uma palestra ministrada pelo psicólogo Moacir Lira, em agosto de 2012, evento proporcionado pela Secretaria de Educação, em nosso município, auditório com centena de mães (e alguns pais), quando o profissional, falando sobre a educação não-violenta, afirmou algo como: “Pais, não devemos e nem podemos bater em nossos filhos; filho tem que ser ensinado com paciência e amor.” O silêncio dominava o ambiente; percebia-se atitude de reflexão e atenção, quando se ouviu uma voz grave, forte e irritada, a cerca de três metros de onde eu estava: “Tem que bater mesmo pra exemplar”. Passados alguns segundos, olhei para trás, discretamente, à procura de uma voz masculina. Mas não havia homens por perto, só mulheres. Horrorizada com o tom de voz que eu ouvi, fiquei pensando como não seria o dia-a-dia de uma criança, entre as quatro paredes de sua casa, com aquela mãe que, em público e furiosamente, fez questão de anunciar a importância que dava ao ato de bater em seus filhos.

Tristemente constrangida pelo eco daquelas amargas palavras, refletia sobre o que ouvira, percebendo a incoerência da mãe diante do que pretendia ensinar aos filhos: “Exemplar” é dar exemplo, é ensinar através das próprias atitudes e forma de ser. Então, aquela mãe, ao achar que estaria ensinando bons valores ao filho, batendo-lhe, estaria ensinando-lhe gestos brutais e grosseiros, tratamento que o filho iria acabar aprendendo e devolvendo-lhe. “Meu filho, eu te bato para exemplar. Então, pode fazer como eu faço; pode bater em mim e nas outras pessoas.”

Quantos pais não se sentem tristes e frustrados com seus filhos por não saberem se comunicar com gentileza e sem gritos? Será que tratam os filhos da forma como gostariam de ser tratados? Ou acham que criança ainda é um ser pequeno demais para merecer respeito? Enquanto assim pensam, a criança está ouvindo, absorvendo e copiando absolutamente tudo, e formando a sua personalidade e caráter.

Para os pais que, um dia, pensaram parecido com a mãe que mencionei acima, afirmo que educar é ensinar, mostrar o caminho, orientar limites, dialogar. E isso se faz com carinho, dedicação, atenção e paciência. Há que se compreender as FASES DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL para guiar as crianças de acordo com cada fase, evitando cobrar atitudes para as quais seus filhos ainda não estão preparados.

Queridos pais e mães, lembrem-se sempre: somos como espelhos para os nossos filhos. Eles admiram as nossas atitudes; seguem nossos passos; eles ‘se amarram’ naquilo que SOMOS. Queremos filhos amorosos, respeitosos, pacientes, honestos, verdadeiros, justos, tranquilos? Sejamos para eles a expressão do amor, do carinho, do respeito, da paciência, do cuidado, da honestidade, da verdade, da justiça. Em outras palavras, tenhamos a competência de dizer: “Ei, filhos, sigam-me; podem me imitar, podem fazer tudo o que faço e vocês serão homens e mulheres de bem na vida.” Temos credibilidade para dizer-lhes isso? Então, prossigamos sem medo de errar!

Em suma: em vez de preparar longos discursos, sejamos exemplo! Essa é a dica prática mais valiosa de disciplina positiva. Ao contrário do que se pensa, não é o “não” que tem a força maior de orientar limites, mas o exemplo. Porque o exemplo dos pais ensina exatamente, e sem deixar margens a dúvidas, o que os filhos devem ou podem fazer. As palavras ensinam; o bom exemplo valida as palavras, e mostra, na prática, o que convém - ou não - fazer, atraindo os filhos para novas e boas atitudes. Além disso, o pai e a mãe são as pessoas em quem a criança confia e, consequentemente, inspira-se durante todo o tempo; ela copia suas atitudes, que servirão de base para sua convivência social. Em outras palavras, os pais ocupam o lugar de espelho, onde a criança, a todo instante, contempla-se.


Andréa Mascarenhas

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

VIVA A DISCIPLINA POSITIVA!

Furioso, um garoto fala à sua mãe:
- Mamãe, Ravi quebrou meu skate! Eu disse para ele não mexer!
O irmãozinho grita mais enfurecido ainda e sem querer assumir a culpa:
- É pra quebrar mesmo!
A mãe abaixa perto do pequeno, olha dentro de seus olhinhos zangados e apenas pergunta:
- Filho, essas palavras que vc falou: “É pra quebrar mesmo!” são palavras boas? Isso ajuda a você e a seu irmão?
O pequeno respira fundo e responde:
- Não, não são boas. Eu sei falar palavras ótimas. (E dirigindo-se ao seu irmão:) Allec, vc me desculpa? Não foi porque eu quis...
Allec colocou a fúria no bolso e respondeu suavemente:
- Desculpo, Ravi. Vc nem quebrou. Só soltou o parafuso...
E VIVA A DISCIPLINA POSITIVA, porque tapas e gritos não educam. O que é educa é a boa orientação, o diálogo e o exemplo.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

FILHO NOSSO DE TODO DIA...

Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos

Por essa semana, não propositadamente, observei por três vezes, mães e filhos andando e/ou atravessando ruas. Achei curioso e ao mesmo tempo inconcebível o que via:

- O primeiro episódio deu-se com uma mãe, uma criança que aparentava 3 anos, e um cachorrinho, que a senhora carregava pela coleira. Até hoje eu não compreendi porque a criança andava livremente, enquanto o cãozinho estava seguro e salvo pela coleira agarrada por sua dona. Eu só me dei conta do fato porque ouvi o grito de uma mãe: “Menino, olha o carro. Eu não disse para não atravessar a rua?”

Confesso que eu tive vontade de gritar aquela mãe à mesma altura, por ter um filho pequeno solto na calçada de uma rua tão movimentada. Mas eu me contive, óbvio, e apenas disse em tom de empatia: “Quer ajuda, senhora? Quer que eu segure a mão de seu filho até ali?” – e disse apontando a próxima rua onde eu entraria. A mãe agradeceu, disse que não precisava, que ele tinha que aprender, que ela já tinha ensinado, mas que o filho se esquece da vida quando está na rua etc.

Não havia espaço para uma conversa ali, mas eu não pude evitar de afirmar: “Crianças são assim mesmo. É que existem muitas coisas no mundo que elas gostam de apreciar, então, é muito normal que elas “esqueçam da vida”. Eu acho mais seguro segurá-las pela mão, quase como a senhora está fazendo com o cachorrinho... Crianças nessa idade são assim, quase como esse cãozinho, não sabem muita coisa e nem entendem os perigos da vida. Com o tempo elas vão aprendendo, percebe?”

- O segundo fato eu observei em outra rua. Era um grupo de mães que voltavam com seus filhos de uma escola, ao final da tarde. Uma das mães tinha ao colo um bebê com aparência de recém-nascido. Eu não percebia ao certo quem era mãe de quem, até ouvir: “Eu te encho de pancada, seu lerdo. Você não está vendo o carro não? Você não vê que eu estou ocupada? Por que não prestou atenção?”

Eu jurei que a voz era da mulher que tinha o bebê, e estive ponderando como era difícil ter que andar a pé, com um bebê ao colo e tomar conta de outra criança no meio da rua; que o fator dificuldade de lidar com a situação, acrescido do susto, fez com que ela gritasse daquela forma. Mas, para minha surpresa, a criança ameaçada de apanhar por atravessar a rua sem autorização era a de uma mãe que trazia à mão uma sacola, que conversava tranquilamente com outra mãe do grupo, que, por sua vez, não trazia nada nas mãos, nem tinha uma criança perto de si. Eu fiquei pensando o que de tão extraordinário tinha na sacola daquela mulher que era mais importante do que a vida de seu próprio filho. Analisei, também, o que se passava pela cabeça da mãe ao achar que machucar o filho com pancada era mais útil que cuidar dele até que tivesse maturidade para andar solto ao seu lado ou sozinho; o que se passava pela cabeça de uma mãe que queria livrar o filho da dor de um atropelamento, jurando-lhe pancadaria, dores provocadas a propósito, dores provocadas por ela mesma, a mãe, a pessoa em quem a criança confia, a pessoa que deveria ser para a criança o seu abrigo, seu ponto de aconchego, seu porto seguro.

- O terceiro caso eu apenas ‘ouvi a cena’, mas algo me chamou muito a atenção num grito de desespero de uma mãe: “Olha o carro, menina!”. E: “Eu não disse que vinha carro? Por que você passou?”

Analisando a fala da mãe, percebi que se referia a outra criança andando livremente, sem ainda ter alcançado a capacidade de compreender os perigos que a cerca, que ainda dependia da atenção e dos cuidados de um adulto ao atravessar a rua. Além disso, e me referindo à necessidade de falar com clareza à criança, pude observar na fala da mãe, que ela nada pediu claramente à criança; ao aparecer um carro subitamente, a mãe não deu ordens à menina para que permanecesse no lugar, ou para que não atravessasse a rua. Ao ouvir o “Olha o carro!”, uma criança pequena é capaz de simplesmente olhar o carro; é capaz também de pensar: “Eu atravesso a rua e depois eu olho o carro, cumprindo a ordem de minha mãe.”; “Pra que a minha mãe está me mandando olhar o carro? Será que é um carro bonito? Será que o carro vem muito rápido?”

O adulto precisa compreender que o pensamento da criança é diferente do pensamento do adulto. Há mecanismos imaturos; há interferências nas ações; a própria incapacidade de compreensão dos perigos pode definir os passos posteriores, e estes podem ser desastrosos. Por isso, muita atenção e cuidado; muita paciência com o seu filho, todo dia, todo dia, todo dia... até que ele seja capaz de compreender melhor o mundo a sua volta.

Andréa Mascarenhas

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Educação de filhos: Erros, estradas e retornos.

Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos

"E quando eles errarem?" Eis uma pergunta que escuto bastante de mães e pais que estão iniciando-se na Disciplina Positiva. Quero dedicar uma partícula do meu tempo para falar um pouco sobre os erros das crianças.

Em nossa sociedade, há uma concepção equivocada e improdutiva a respeito dos erros da criança, de modo que quase sempre nos pegamos com o sentimento de péssimos pais quando não conseguimos corrigir os erros de nossos filhos. Como sempre, vou ilustrar o que afirmo por meio de fatos e falas.

Eu estava com este texto já bem conduzido quando decidi reescrevê-lo para incluir a fala de um amigo ao meu marido, dentro de nosso carro, ontem, enquanto transitávamos pelas ruas de Salvador, com destino a uma clínica de olhos. Meu marido, por um pequeno vacilo ou distração, deixou de entrar na rua que nos levaria ao nosso destino, seguindo direto na estrada. Ao perceber que teria que pegar o retorno e que este não se encontrava tão próximo, fez um pequeno gesto de aborrecimento consigo mesmo. Nosso amigo, que conhecia bem o caminho, mas que se distraíra com nossa conversa, tranquilamente afirmou: “Calma; isso não é negativo. Você apenas errou a entrada da rua. Agora estamos passando por um lugar que você não conhecia antes; isso significa que você está conhecendo outras imediações, e já conseguirá seguir por um caminho diferente quando necessário. Por enquanto, é só ficar atento ao retorno. Um erro na estrada não é tão ruim assim, pois você aprende outros caminhos.” Enquanto percorríamos o caminho que tomamos acidentalmente, o nosso amigo foi mencionando alguns elementos do bairro que nós desconhecíamos. E com paciência e atenção, lembrava ao motorista de pegar o retorno logo adiante.

De fato, é assim mesmo que devemos ver o erro. O erro faz parte da natureza humana. E com as crianças não é diferente. Nós, os pais, podemos ajudar os nossos pequenos a utilizarem atitudes erradas na construção de aprendizados diversos. Um erro, quando percebido e trabalhado, pode gerar aprendizados sólidos e duradouros. A melhor forma de lidar com atitudes equivocadas dos filhos, além de dialogar e compreender por que elas não são apropriadas, é ajudar as crianças a “fazerem o retorno”, consertando o erro, sempre que possível; isso deve ser realizado com empatia e carinho, não como castigo. Castigo não educa; ensinar à criança a consertar o seu próprio erro, sim. Primeiro você deve apontar a seu filho o caminho certo. Se ele errar, você deve mostrar o retorno; se ele errar novamente, e não necessariamente nessa ordem, você deve ir junto, fazer o percurso com ele, mostrar como se faz, como se percorre aquele caminho. E se o erro continuar? Ensine tudo de novo; vá junto com ele novamente, seja incansável. E caso as coisas fujam ao seu controle, não hesite em procurar orientação e ajuda. Viver é aprender...

Frente ao erro das crianças, aproveito para destacar algumas atitudes que nunca devemos ter:
- Criticar a criança. Critique o erro, e não a criança. Diga-lhe para tentar encontrar formas de resolver seus próprios erros; aponte caminhos para os acertos e para o seu crescimento individual.
- Ridicularizar a criança. Ridicularizar a criança no momento das falhas é correr o risco de podá-la, de acuá-la por medo de errar. E isso não é ético nem saudável.

Enfim, caminhe com a criança e oriente os seus passos. A estrada da vida é longa e há tempo suficiente para ensinar-lhe muitas coisas boas. Certifique-se de que você conhece bem o caminho. Priorize o que é fundamental – o amor ao próximo, a cooperação, a paz, a paciência, a atenção às suas próprias necessidades e às do outro, o respeito e demais atitudes que você considera importantes para uma boa convivência social.

Enquanto caminham, aproveite para falar ao seu filho dos detalhes da estrada, tanto do caminho certo quanto do caminho equivocado; aproveite para falar de tudo o que ele for encontrando pela frente, das coisas simples (uma flor na estrada, por exemplo) às mais complexas (os prédios gigantescos que atrapalham a nossa visão). Perceba: flores pelo chão não são apenas flores pelo chão. As flores podem ensinar a delicadeza do nosso trato para com as pessoas; podem ensinar as diferenças entre elas; flores podem ensinar sobre o “perfume que fica na mão de quem as oferece”. Não perca oportunidade de usar elementos simples da natureza para ensinar coisas nobres e complexas aos seus filhos. Assim estaremos, de fato, preparando a criança para errar menos e acertar muito mais, da infância à fase adulta.

Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos


sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Não é justo!

Andréa Mascarenhas


Tenho estado um tanto reflexiva a respeito de um tema importante na relação mãe-pai-filho; feitas algumas conclusões a respeito, resolvi compartilhar este simples texto, mas que pode lhe ajudar a refletir em um componente importantíssimo na vida de sua criança e na sua relação com ela: o sentimento de dependência.

Escrevi há alguns meses uma poesia que descreve a evolução natural do homem e aponta para um ser humano, sempre e em todas as fases da vida, dependente; mostra que, uma vez “formado” e “independente”, o ser humano volta quase que imediatamente à “estaca zero” da dependência, na fase adulta, exatamente no momento em que cheio da sua própria independência, busca com seus olhos e com o seu coração alguém que lhe complete, que lhe ponha um laço, que lhe proíba de viver só. Ora, se somos seres dependentes um do outro, por que há uma busca tão ansiosa pela dependência da criança, uma busca que separa o bebê de sua mãe de forma tão desastrosa? Por que deixar seu filho em um berço sozinho, sem desfrutar de seu calor e aconchego noturno? Por que tanta pressa pela independência?

Se o ser humano curtisse tanto a independência, por qual motivo procuraria na fase adulta um cônjuge para acobertar-lhe o rosto nas madrugadas frias (ou quentes), um amigo para lhe servir de companheiro nas caminhadas, de conselheiro nos momentos de decisões e tristezas? Enfim, por que o adulto pode ter o aconchego noturno, e a criança, não? Enfim, por que forçar a independência da criança se, naturalmente, somos seres dependentes, eternamente dependentes?

Parece um tanto espantoso como as pessoas custam a perceber isso, e a sociedade, que tanto anda e evolui tecnológica e cientificamente, a passos de tartaruga mostra a sua evolução a respeito de qualquer assunto que se refira à criança. Percebo que a cultura da violência infantil está ateada em todos os componentes que constituem a infância e a maternidade. De forma disfarçada, ela começa muito antes do nascimento da criança, e a acompanha por muitos anos.

Conversando com uma colega de trabalho a respeito do valor que se dá à independência precoce da criança, ela, terna e reflexivamente, conta-me: “Essa noite fazia um friozinho tão gostoso. Eu percebi que a cada momento, deitada com meu marido na nossa cama, eu achegava-me a ele, buscando, cada vez mais, conforto e calor. Então olhei a minha filha, no nosso próprio quarto, mas dormindo sozinha no bercinho, e pensei comigo: Não é justo!”

Então, é isso... Não é justo!

Não é justo que o adulto possa ter ao seu lado alguém que o aqueça nas noites frias, enquanto que a criança não;
Não é justo que o adulto tenha o seu cobertor de pele, enquanto que a criança um cobertor de tecido, que não lhe capta as sensações, desejos e necessidades noturnas;

Não é justo que só o papai fique com a mamãe à noite, enquanto que a criança, que passou 9 meses dentro dela, tenha que ser separada até de perto dela;

Não é justo que a mãe não possa sentir o compasso da respiração da criança ao dormir, e tenha que levantar a toda hora para conferir se a criança está bem, e respirando bem;

Não é justo deixar a criança sozinha, sujeita a sentir medo e abandono;
Não é justo deixar sozinho um ser que quase em seu primeiro ano de vida completo percebe-se como uma extensão do corpo da mãe e nem sabe que é uma pessoa com corpinho próprio e “independente”.

Não, não é justo. O bebê com o sentimento de dependência; e a mãe, e o papai, e a avó, e a casa inteira, e a pediatra, e a cuidadora, e a professora da creche, e a diretora, e a creche inteira com a pressa de acostumar o bebê desde cedo com a ausência, que muito mais provoca e constrói a solidão, a indiferença do que a sua autonomia.

E não é justo pensar que a cama compartilhada é modismo. O bebê precisa e depende da mãe em tudo, e não há razões óbvias e científicas para ser afastado de pertinho dela ao dormir.

Eu não me recordo se a minha colega finalizou o seu relato e me fez saber a sua atitude; se ela fez valer o seu sentimento naquele momento, e, repelindo a injustiça que ousava entrar em seu quarto, mascarada por questões puramente culturais, pegou a sua criança ao colo e dividiu o seu calor e o do seu cônjuge com ela; mas, posso garantir que, se ela agiu como a maioria das mamães humanas naquele momento, ela sufocou o sentimento de justiça que clamava dentro dela. Em vão, sentimento de justiça... A cultura sempre fala mais alto, silencia a intuição da mãe, emudece novas informações; e a maioria das pessoas, muitas vezes, apenas prefere dizer (pra si mesma e para os outros): “Sempre foi assim...”

Livros, programas de TV, ‘Supernanny/s’, mães e sogras, vizinhas, amigos e amigas oferecem ajuda para arrancar, quanto mais cedo melhor, o bebê dos braços, do colo, do calor de sua mãe. Temos quase todos esses doadores de opiniões (se não mais...) a apontar um monte de coisa na educação de nossos filhos. Desde o seio materno (“Seu leite é fraco.”), o sono (“Coloca pra dormir em seu quarto e em seu berço pra ficar independente.”), a carência materna (“Deixa chorando pra não acostumar mal.”), ao que seriam os primeiros passinhos (“Coloca no andador pra aprender a andar cedo.”). A nova mãe recebe a interferência de pessoas que oferecem a todo instante ajuda e palpites. E entregue aos seus “ajudadores”, por estar cansada do processo que, naturalmente, é o de gestar e parir, a mãe dá permissão para arrebatarem o bebê dos seus braços, e inicia uma caminhada muito diferente daquela traçada pela natureza para si e para seu bebê.

É hora de trazer de volta sua criança para pertinho de você, mamãe, proporcionando-lhe aquele calor que ela precisa para crescer bem. Nenhum bom cobertor é capaz de tomar o lugar do corpo a corpo, do contato materno (e paterno).

Não se trata de modismos; a arte do apego mãe-bebê vem dos primórdios da história. Por que não deixarmos a maternidade seguir seu curso natural? Por que não respeitarmos a nossa natureza mamífera e, assim como os animais, acolher as crias com todo amor que a maternidade pode exalar?

E não somente a natureza mamífera. As aves trazem para perto de si suas ninhadas, aconchegam-nas embaixo de suas asas, aquecem-nas com o calor de seu sangue, afirmam e reafirmam o carinho, a maternidade e o amor; Cada espécie, após determinados tempos, estipulados de forma tão perfeita pela mãe-natureza, segue esvaziando-se de sua mamãe e abraçando seu destino. O ser humano, que é capaz de pensar, raciocinar, tomar decisões e aprender como se portar diante de cada situação nova, é o único que, incrivelmente, afasta de si as suas crias.

O amor, o carinho, o cuidado, podem ser muito mais claramente demonstrados ao seu filho com colo, cama compartilhada, amamentação em livre demanda e aconchego. Comprovadamente, o contato físico violento ou a ausência de contato e atenção contribui para o aparecimento de problemas de ordem emocional, ao passo que o contato físico afetuoso colabora para a construção da autonomia, da conexão necessária na relação, tanto nesses momentos como posteriormente.


Dormir com seu bebê, mamãe e papai, em um "quarto família", não é como muitos pensam – que deixará a criança eternamente condicionada a só dormir com os pais. Também não tira a privacidade do casal (a casa tem outros cômodos... Além disso, se você é daquelas pessoas que só curtem fazer sexo na cama, em vez de ter o quarto do bebê, tenha o “quarto do casal / do sexo”, oras!). Também não é perigoso como muitas pessoas falam (HÁ QUE SE OBSERVAR O CONJUNTO DE NORMAS GERAIS DE SEGURANÇA DA CAMA COMPARTILHADA). Tomados todos os cuidados, desfrute sem medo dessa sua decisão. Dormir com seu filho, ao passo que lhe transmite segurança e amor, comunica-lhe confiança para que, a seu tempo, busque a sua própria individualidade e autonomia.

Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos

terça-feira, 13 de maio de 2014

Limites sem regras...

Andréa Mascarenhas

Tenho refletido sobre o conceito de limites e em escrever de forma  descomplicada sobre o tema, a fim de apontar dicas práticas de como os limites, tão necessários em nossa convivência, podem ser cultivados passo a passo na infância; e, principalmente, com a intenção de provocar uma reflexão a respeito da equivocada relação que muitas pessoas fazem entre punição e limites.

Muitos pais e mães, ainda que tão afetuosos, temem que seus filhos fiquem “malcriados” e, assim, deixam de dar-lhes acolhimento, em situações de conflito; evitam qualquer conexão amorosa com eles, por medo de estarem oferecendo excesso de afeto, de contato físico e de interação. Na "hora de dar limites” abrem a carranca, fecham os braços, negam contato.

Qual seria a “hora de dar limites”, na concepção de muitos pais? A hora da repreensão? Seria a hora do ‘não’? A hora de apontar alguma necessária consequência?

Já direi aonde quero chegar...

Há pais que separam a relação com os filhos em dois grandes momentos: Momento da interação amorosa x Momento do limite.

Pode ser que o caro leitor, certamente um pai ou uma mãe, esteja se perguntando se, de fato, não há esses dois grandes momentos.

Convido-o a pensar no conceito e no significado do termo ‘limite’, essa ‘coisa’ tão ansiosamente tentada pelos pais e tão aclamada pela sociedade (“Essa juventude de hoje precisa de limites”; “Esses meninos de hoje não tiveram limites”...). Pensando em significados cabíveis ao termo ‘limites’, destaco “linha de demarcação; extremo, fim; ponto que não se deve ultrapassar.” Utilizando-me deles, questiono: Por que limites seriam estabelecidos como punições? Parece-me que a punição seria algo exatamente contrário a limite, já que punir não implica em orientação à “linha”, ao “ponto”; não ensina a empatia, não ensina o respeito e não ensina a resolver problemas.

Quero mencionar um fato que ocorreu ao meu bebê, quando tinha apenas 11 meses de idade. Peço que não interpretem o exemplo como se um bebê com menos de 1 aninho fosse capaz de compreender limites. Percebam como um exemplo de perseverança, atenção, cuidado e empatia, elementos necessários à compreensão dos limites.

Quando, ainda em seus primeiros passinhos, meu pequeno jogava-se pelo chão à procura de espaços a explorar, ele se apaixonou por uma gaveta de seu guarda-roupa. Eu retirei dela qualquer coisa que pudesse machucá-lo e deixei apenas alguns brinquedos e umas fraldas descartáveis que ele adorava mexer.

Mas meu pequeno menino não gostava apenas de mexer no conteúdo da gaveta, ele (assim como todos os bebês), adorava abrir e fechar gavetas. Então acabava por prender os dedinhos quando, feliz da vida, ia fechar essa gaveta. Eu ficava com enorme sentimento de culpa, acariciava seus dedinhos e ficava ali, para impedi-lo de se machucar de novo. Para não precisar ficar vigiando-o de tão perto, acabei por colocar uma almofada no canto esquerdo da gaveta e, assim, quando ele ia fechá-la, não se machucava, pois a almofada impedia que a gaveta se fechasse por completo...

Não duvido que alguém ao ler este episódio esteja me intitulando de ‘mãe superprotetora’. Talvez as mesmas mães que, na ânsia de impor limites e querendo criar o filho da forma mais correta possível, deixariam o bebê bater os dedinhos por várias e várias vezes “até ele aprender que não se mexe em gavetas...” Porém quero dizer-lhe que uma criança não precisa passar pela dor para aprender limites. Mas esse é assunto para outro texto.

Passados alguns dias, eu me esqueci de colocar a almofadinha milagrosa e... vocês já podem imaginar o que aconteceu, não é? Ele prendeu novamente os dedinhos e se machucou mais ainda, devido às minhas atitudes de “superproteção” anteriores?

Em aproximadamente 40 vezes que contei esse exemplo, em palestras sobre educação não violenta, 99% das mães responderam morrendo de dó: “Oh... Prendeu os dedinhos novamente...” Porém quero te contar que não. O meu pequeno não machucou os dedinhos, sabe por quê? Por que eu usei de uma estratégia de proteção que também estava orientando-o a compreender seus limites e, magicamente, eu o ensinei até aonde poderia ir a sua mãozinha, pois a gaveta, a partir desse dia, ainda que não houvesse almofada, só era fechada até aonde ia quando estava com ela.

Voltando ao conceito de limites, podemos ver no exemplo a “linha de demarcação, o extremo, o fim, o ponto que não se deve ultrapassar”? Sentimos falta de alguma coisa negativo-punitiva nessa “demarcação”? Que elementos estiveram presentes nesse exemplo? Podemos notar “limites” estabelecidos pela presença,  empatia,  carinho,  proteção,  acolhimento?

Eu apenas permiti ao meu filho aprender da forma oportuna, como uma criança tão nova pode “aprender”; pois nunca um bebê de 11 meses seria capaz de compreender palavras como: “Na hora de fechar a gaveta, observe o limite para não machucar as mãos”, ou: “Não mexe nessa gaveta que ela pode te machucar, menino!”.

Não estou dizendo com isso que algo negativo jamais deva acontecer na caminhada em direção aos limites. Há que se compreender as fases por que passam as crianças e adotar práticas que as levem à construção de seus próprios limites, orientando-as de acordo com a capacidade de compreensão de cada uma. Algumas vezes, vamos precisa usar o ‘não’, obviamente. Mas este não precisa ser acompanhado da negação do afeto, do isolamento etc. Muitas vezes, o ‘não’ é muito bem dado através de um ‘sim’. Vamos refletir mais um pouquinho e compreenderemos...

É só pensarmos em como proporcionar a uma criança a construção de limites de forma tranquila e amorosa. Utilizando-me de um exemplo prático, quando você obriga uma criança a arrumar seus brinquedos e ela cata tudo, ainda que se acabando em choro, porque naquele momento queria estar fazendo outra coisa, você está ajudando-a a estabelecer limites?

Eu diria que, além de não acreditar que uma ação forçada possa conduzir a aprendizados reais, você está perdendo uma grande oportunidade de ajudá-la a construir limites mais amplos, mais claros, melhor definidos e, ainda, sem estresse para ambos/as. Por que para aprender noções de organização seria necessário pressionar um filho a fazer algo para o qual, no momento, não está tendo disposição? Seria por querer “ensiná-lo para a vida”, já que, na fase adulta, ele vai precisar fazer algumas coisas mesmo sem vontade? Seria para não “virar preguiçoso”? E se nós listássemos quantas vezes deixamos de fazer algo porque, mesmo sabendo da necessidade de executá-lo, estávamos indispostos? Podemos refletir, ainda, como nos sentiríamos se alguém nos obrigasse a fazê-lo? Será que tendo aprendido, na infância, o conceito de organização, por exemplo, não correríamos o “risco” de cometer falhas?

E que grande oportunidade você estaria perdendo ao obrigar a criança a apanhar seus brinquedos sem vontade? Simples. Se você, em vez de puni-la, obrigando-a a pegar os brinquedos, recolhesse estes junto com ela, poderia estar ensinando-lhe lições de solidariedade e de respeito - e não apenas de organização. É o que acontece quando não separamos o momento da interação amorosa do momento de criar limites. Proporcionamos um aprendizado bem mais amplo. Em outras palavras, quando eu apontei a solidariedade como um valor possível de ser praticado e apreendido nesse contexto, eu me referia ao fato de que o seu filho, ao vê-la ajudando-o, entenderia que é muito bom ajudar o outro em suas necessidades. Ao citar o respeito, foi pensando que ele, enquanto foi respeitado na sua indisposição de pegar os brinquedos naquela hora, pode estar apreendendo um lindo e necessário valor chamado respeito, ao compreender que não é bom obrigar o outro a fazer algo contra a própria vontade. Isso só é cabível quando se trata de algo inevitável ou quando envolve a segurança de alguém, por exemplo.

Sempre que posso, eu ajudo meus filhos a recolherem os seus brinquedos e a limparem o chão quando derramam algo, por acidente. Evito as broncas: “Presta atenção! Viu o que você fez?” Acho mais educativo, falar respeitosamente: “O que houve? Como podemos fazer para evitar que isso aconteça de novo? Não tem problema, eu te ajudo a limpar!”

Certa vez, ‘do nada’, quem derrubou algo fui eu! Fiquei visivelmente nervosa. E o pequeno (na época, com apenas 2 aninhos e meio): - “Calma, minha mãe! Eu te ajudo a pegar!” – E recolheu muito mais do que eu...

Então, caro leitor, você consegue perceber a presença de limites no exemplo dado? Consegue compreender que “dar limites” não tem, necessariamente, relação com algo negativo? Pode perceber que um não pode ser dado tranquilamente através de um ‘sim’? Quando eu digo “Sim, eu lhe ajudo a recolher os brinquedos.”, estou lhe ensinando a não fazer descaso das pessoas em suas necessidades, não é? Quando eu digo “Sim, você pode apanhar os brinquedos assim que estiver com mais disposição.”, eu estou dizendo ‘não’ ao desrespeito, à falta de sensibilidade, confere? Então, quando eu ensino respeito e solidariedade eu estou apontando limites, certo? Enfim, se fôssemos analisar mais a fundo o exemplo citado acima, certamente encontraríamos outras grandes oportunidades de aprendizado.

Retomando a nossa reflexão, podemos compreender que ajudar a criança a estabelecer seus limites é algo muito mais amplo? Podemos perceber que não há um momento específico para a construção de limites?

Escrevi, dia desses, uma experiência vivenciada com meus filhos, mais precisamente com o de 4 anos, quando valendo-se da força de uma torcida”, consegue tomar os remédios mais amargos, se necessário, e ainda ajuda o irmão a conseguir também.

Então, estaria pensando que nada tem a ver com limites?

E se considerarmos a lição de solidariedade implícita no fato? A criança aprende a torcer pelos outros, aprende a se colocar no lugar do outro, a não desprezar os sentimentos do outro, a não rir da tristeza do outro, isso também não significa aprender limites? Podemos perceber, ainda, que mais importante que ensinar à criança a obediência e a responsabilidade, é ensinar-lhe, pelo exemplo, lições de cooperação, solidariedade e respeito, com perseverança, empatia e afeto... Isso é ensinar-lhe limites.

E não há “linhas demarcadas” e “fim de linha” na construção de estratégias para formar os limites. Não há o “momento do limite”; há a interação constante, as oportunidades que nós, adultos, precisamos aproveitar. Aliás, não há limites e nem regras para ensinar limites...

Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos


terça-feira, 18 de março de 2014

A VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES – POR QUE É TÃO DIFÍCIL QUEBRAR A CORRENTE?

Andréa Mascarenhas

A violência contra crianças e adolescentes, no Brasil, atualmente está sendo pauta de jornais, revistas e programas de TV. Tornaram-se rotineiras as notícias de tragédias envolvendo crianças, dentro de sua própria família, principalmente quando a vítima é violentada gravemente. Porém as cenas deprimentes de crianças altamente feridas, estraçalhadas e mortas não são suficientes para levar a população a repensar suas atitudes em relação à prática das punições físicas.

Fala-se muito em defesa à criança e ao adolescente. Nos estados e municípios brasileiros, há órgãos e redes de proteção. Mas por que continua subindo assustadoramente o número de crianças agredidas a cada dia? Há quem reclame que é devido à falta de preparo dos órgãos competentes para atuação na causa; há quem diga que é descaso do estado, dos governantes de modo geral.

Sem dúvida, os episódios que assistimos diariamente mostram-nos profissionais despreparados, sem saber agir diante de casos de omissão, de negligência e de vitimização infantil. Todavia, a culpa não está apenas no despreparo dos órgãos competentes. O problema é que quadros de violência grave são quase sempre precedidos de situações de violência aceitas pela sociedade, porque acontecem disfarçadas de educação e correção, uma forma de educação que encobre seu caráter violador.

Por que a sociedade aceita? Porque acha normal; porque “foi assim que eu fui criado”; porque “criança tem que apanhar pra aprender”; porque “apanhei e estou vivo.” etc.

É preciso que a sociedade pare de aceitar como normais episódios de crianças sendo agredidas pelos seus pais, com a justificativa de que eles estão educando. As tristes cenas que observamos quase todos os dias através de meios de comunicação, quando não na nossa própria vizinhança, são cruéis o suficiente para levaram milhões de pessoas à reflexão. Precisamos parar de culpar apenas os órgãos de defesa à criança, precisamos parar de fingir que não vemos. O ciclo precisa ser quebrado, e isso só ocorrerá quando cada pessoa se colocar no lugar do menino e da menina que sofre. Não podemos continuar perdendo crianças para essa prática, ela não pode ser mais forte que nós.

Segundo a Constituição, é de responsabilidade de todo cidadão a proteção à criança. O Estatuto da Criança e do Adolescente também estabelece como dever de todos a prevenção de ocorrências de violação dos direitos da criança e do adolescente, assegura-lhes proteção integral, com absoluta prioridade; garante-lhes o direito à vida, à dignidade e ao respeito, e o direito de serem colocados a salvo de toda forma de negligência. Portanto, somos todos corresponsáveis com a segurança das crianças e adolescentes, razão pela qual devemos denunciar casos de violência a estes seres, não importando quem seja seu agente.

A sociedade precisa saber que a criança é um ser indefeso; que ao ouvir o seu choro – e muitas vezes até o barulho de pancadas dirigidas a ela – a denúncia e a acusação aos seus pais não se trata de um gesto rude e absurdo. Rude e absurdo é ignorar o choro, a dor, os pedidos de socorro de seres inocentes e indefesos.

As dinâmicas do processo e do ciclo de violência contra crianças e adolescentes podem ser percebidas diariamente numa mãe que ontem deu uma palmada em seu filho, que hoje usa um objeto considerado ‘leve’ para bater-lhe, e amanhã, certamente, usará do cinto, da vara e do pedaço de pau. Esse processo pode ser demonstrado da seguinte forma:


Há uma expectativa dos pais em relação ao comportamento dos filhos.
Muitos pais e mães sonham com filhos obedientes, comportados e educados. E, muitas vezes, colocam expectativas neles que, na verdade, deveriam ser suas. Eles deveriam criar expectativas a respeito deles mesmos: Que pai e mãe eu devo ser para meu filho? O que devo fazer para educar melhor o meu filho? Como eu devo ser para que meu filho, espelhando-se em mim, não corra o risco de absorver qualquer postura desagradável? Porém, o que percebemos é muito controverso. Pais querem filhos educados, mas não usam de educação com eles; pais desejam ter filhos calmos, no entanto gritam com eles; querem filhos atenciosos e gentis, todavia os tratam com arrogância e intolerância. Como dessa forma é difícil terem o modelo de filhos que desenharam, não conseguindo o retorno de que querem a respeito de valores pré-estabelecidos, falta-lhes paciência e tolerância pra ensinar-lhes até que aprendam. E usam de meios como castigos, pancadas e outras formas de humilhação.

Os filhos não conseguem atender às expectativas dos pais.
O compromisso da criança é com o brinquedo. A responsabilidade, a compreensão das coisas e valores é fruto do aprendizado diário e, principalmente, do exemplo dos pais. A criança não aprende de forma igual e nem em tempos iguais. Cada criança é um ser único e dotado de habilidades e comportamentos diferentes. Cabe aos pais orientá-la, esperando dela apenas o que pode corresponder. Conhecer as fases do desenvolvimento da criança e cobrar-lhe posturas que ela tem condições de corresponder é algo que traz grandes benefícios à relação. Todos saem ganhando.

Os pais acham que estão fracassando e aplicam punição “leve” no filho.
Ao passo que se vestem de “autoridade”, os pais não aceitam ser contrariados em suas ordens, passam a punir a criança, a fim de conseguirem a postura que julgam importante para ela.

Há uma renovação das expectativas dos pais.
Castigada, uma criança pode até retribuir, em curto prazo, o comportamento que o pai lhe impõe. Isso não significa que houve o aprendizado e que ela, enfim, aprendeu o comportamento. O pai renova as suas expectativas, faz-lhe novas exigências.

O ciclo recomeça. Há uma expectativa dos pais em relação ao comportamento dos filhos. Os filhos não conseguem atender às novas expectativas dos pais. Os pais acham que estão fracassando e aplicam punição mais forte nos filhos...

A criança ou o adolescente pode até corresponder mais uma vez, porém o fará por receio de receber um novo castigo e, tão logo o medo o/a deixe, vem novo comportamento ‘inadequado’. E vem uma punição mais forte, mais dolorosa, mais cruel, até chegar àquelas que vemos, diariamente, nos jornais, que a cada dia nos assustam, mas continuam nos deixando passivos, inertes.

E a sociedade segue afirmando: “Sempre foi assim.” “Criança tem que apanhar pra aprender.” “Cada pai e mãe sabe o que é melhor para seu filho.” “Foi assim que eu fui criado.” “Apanhei e estou vivo.” “O estado não deve ‘se meter’.” etc.

E o ciclo da violência continua.

Quando a sociedade vai sair do estado de passividade e de inércia? Quando cada pessoa tiver uma criança morta na vizinhança? Quando vir um pai ou uma mãe que hoje dá em seu filho uma surra de cinto e vara, amanhã lhe dando pauladas, jogando-lhe pela janela de um prédio ou lhe queimando o corpo?

O rol de vícios alimenta a divulgação de notícias cada vez mais desprovidas de compromisso com a mudança da realidade social. Assiste-se a noticiários, percebem-se os danos, culpa-se aos órgãos competentes, clama-se, protesta-se, mas no dia seguinte cenas voltam a ser ignoradas e vistas como normais. E a mesma sociedade que gritou no protesto continua afirmando que cada mãe e cada pai sabe o que é melhor para seu filho.


Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

COMO FALAR SOBRE A VERDADE / A MENTIRA, DE FORMA DESCOMPLICADA: UMA REFLEXÃO AOS PAIS E EDUCADORES

Andréa Mascarenhas

AO FINAL, DICA DE HISTORINHA que contei para ensinar o valor VERDADE aos filhotes. 

Pode ser usada por pais e educadores, de modo geral, com crianças a partir de 6 anos.
Na educação de nossas crianças, muitos temas não são simples de serem abordados. Alguns por serem delicados; outros por parecerem complexos demais... Mas, que tal abordá-los de uma forma descomplicada e natural como o é o desenvolvimento infantil?

Um desses temas que, muitas vezes, deixam os pais “de cabelos em pé”, é a mentira. Muitos pais ficam ansiosos e perdidos no momento de lidarem com as mentiras contadas pelos seus filhos. Escrevi algo sobre, no momento em que refletia e procurava oferecer dicas a outras mães.

Antes, gostaria de ressaltar que a “mentira” vai sempre estar presente em alguma fase da criança, faz parte de seu desenvolvimento natural...

Vamos conversando... É importante observar alguns pontos:

1.  Trate como se desconhecesse a palavra ‘mentira’. Não a use quando o seu filho apresentar tal comportamento. Nada de rotular a criança como mentirosa (na maioria das vezes, quando a fase chega, a criança nem sabe o nome dessa coisa ainda). Ela “mente” porque é natural fantasiar... A fase pode durar um bom tempo. É a pura expressão de criatividade ou de sentimentos escondidos e que a criança ainda não consegue expor de outra forma.

2.  Aos pais de crianças pequenas, digo apenas: “Relaxa!”. Crianças pequenas nem sabem separar as fantasias da realidade. Elas contam histórias e relatam casos como se eles tivessem acontecido, de fato; misturam também os sonhos aos fatos reais... (No máximo, eu brincava com suas histórias e invenções: “Hm... Acho que você sonhou isso, não?” ou: ”Que legal essa história que você está contando... Você inventou isso tudo? :o ” )

3.  Até aproximadamente 7 anos, o mundo lindo da fantasia vai fazer parte da vida da criança. Nada de alarde! Porém, como pais, claro que nos preocupamos. Afinal, a verdade é um valor de importância indiscutível. Uma pessoa que aprende a falar a verdade aprende também outros valores, a exemplo da honestidade, da justiça (é impossível ser honesto sem ser verdadeiro ou vice-versa). Se a “mentira” contada for algo desagradável, de posse da “verdade”, você pode ir dizendo: “Oh! O que podemos fazer para que essa história seja diferente?”; “Você contou uma parte da história... E aquela outra parte em que acontecem tais e tais coisas? Vamos falar do jeitinho que aconteceu?”; “Acho que você se atrapalhou um pouquinho. Quer contar de novo? Eu te ajudo!” (E assim, os pais podem ir levando a criança em direção às “verdades”, dando a “outra versão” da história e dos fatos). E, em vez de falar da mentira, os pais começam a ensinar a verdade: “Olha, quando falamos alguma coisa do jeitinho que ela aconteceu chamamos isso de verdade; falar a verdade, falar as coisas do jeito que elas aconteceram é muito bom, porque assim a gente entende melhor as coisas...”

4.  Evite demonstrar preocupação, tristeza ou decepção com a criança ao se deparar com casos de “mentira”. Isso pode gerar sentimentos de culpa, uma culpa que a criança ainda não tem maturidade para entender e assumir, uma culpa que não é da criança, de fato.

5.  Após os seis anos, os pais podem ir ensinando à criança sobre a verdade (se ela já tem contato com a verdade SEMPRE, através DO EXEMPLO dos pais e cuidadores, tudo pode ser muito simples...). Acho seis anos uma fase boa pra começar a abrir o jogo sobre determinados valores... Não que após essa fase não seja permitido que a criança “minta”, ainda. Normal que aconteça. Esteja atento/a à frequência com que acontecem os casos de mentira e o porquê de a criança estar usando a mentira. Converse sempre com ela sobre a importância de falar a verdade...

6.  O problema começa a aparecer quando a ‘mentirinha’ acaba gerando situações desconfortáveis ou desagradáveis para as pessoas. Os pais precisam estar atentos e buscarem o que está atrás da mentira. Aja na CAUSA. Seu filho mentiu para agradar alguém? Ensine-o que nem sempre precisamos agradar as pessoas, que elas também precisam aprender a respeitar os nossos gostos e decisões... Seu filho mentiu para evitar alguma situação que ele não se agrada? Ensine-o a se sair de outra forma; ensine-o a expor a sua própria opinião sem medo; mostre-lhe as várias alternativas à mentira... Dialogue, dialogue, dialogue...

7.  Enfim, se a criança mente por medo, é VOCÊ quem precisa mudar. Não tenha receio de refletir sobre a sua postura. Será que você não aboliu as palmadas, mas ainda usa de um tom grosseiro, ameaçador que faz seu filho estremecer por dentro, mesmo sabendo que não vai apanhar? Será que mesmo sem palmadas, você não está lançando aquele olhar assustador e humilhante que talha em segundos o coraçãozinho de seu filho? Será que o castigo que você ainda defende não ensina a seu filho mentiras muito piores do que a que ele contou? Como é a expressão do seu rosto quando, por exemplo, um copo cai das mãos de seu filho e quebra em mil pedacinhos no chão? E o que você lhe diz quando descobre que ele quebrou o brinquedo novo, aquele que custou mais caro do que o seu armário de cozinha? Reflita, reflita, reflita...

Bem, vamos à historinha?

Ela é BEM antiga; eu a ouvi há décadas. Procurei-a na internet, com o propósito de contar para meu primeiro filho quando ele fez uns 7 anos. Fiz várias adaptações (perdoe-me o autor), só tentei aproximar a linguagem da história do universo das crianças, tornando-a mais animada e atraente.


(Excelente contribuição de Esopo nesse texto, mas não recomendo ler o original, porque vem acompanhado do termo/rótulo ‘mentiroso’; portanto, torna-se inconveniente para a criança; pode gerar medo, em vez de conduzi-la à reflexão...)

Fiz algumas adaptações:

O Pastor e o Lobo

Era uma vez um pastorzinho,
bem engraçadinho,
que andava a cuidar de suas ovelhas
lááááááááá em cima de um morro...

Mas ele muito, muito gostava
de brincar com as coisas que falava.
E também gostava
de dizer coisas que não estavam acontecendo.
Ele inventava, inventava...
E adoraaaaaaaaava
enganar todo o mundo...

Um dia, o pastorzinho desceu o morro
e gritou com voz de aflição:
- Socooooooorro!
O lobo está atacando as minhas ovelhas!...
Olhem o lobo! Ele está atacando as minhas ovelhas!...

Dez vizinhos,
que eram seus amiguinhos,
subiram o morro correndo, correndo,
para ajudar o pastorzinho
com seus animaizinhos,
para não deixar o lobo
atacar os bichinhos...

Chegaram ao lugar,
nem sinal de lobo.
E lá no morro,
ninguém mais pedia socorro...
Só encontraram o pastorzinho
rindo, rindo sem parar...

No outro dia,
o pastorzinho repetia
e gritava novamente,
e a cena se repetia.
Só que algumas pessoas, muito espertas,
não foram mais lá.
Só cinco vizinhos
subiram o morro
para ajudar o pastorzinho...

No outro dia,
assim que o Sol nasceu,
ele repetiu pela terceira vez a mesma coisa.
E novamente, gritou:
- O lobo está atacando as minhas ovelhas!...
Olhem o lobo!
Ele está atacando as minhas ovelhas!...

Um vizinho, coitado,
levantou da cama descabelado,
e muito preocupado,
subiu aquele morro,
ainda com seu gorro...
E de noooooovo
não tinha lobo.

Nunca, nunca tinha lobo algum.
E sempre, sempre
o pastorzinho só fazia rir
e rir bem alto,
achando bobas as pessoas
que acreditavam nele...

Um dia o pastorzinho
desceu de novo aquele alto morro
gritando e gritando:
- Socoooooorrro!
Olhem o lobo…
Olhem o lobo…
Olhem o lobo!...
Ele está atacando as minhas ovelhas!...

Desta vez,
ele falava sério,
beeeeeeem sério!
Ele não sorria,
só se escondia,
com medo daquele bicho grandão,
forte e mauzão.

Mas ninguém deu importância...
Todos os vizinhos,
até seus amiguinhos,
acharam que não tinha lobo algum
e que aquele pastorzinho
só queria rir, rir
e depois fugir
de todos eles de novo...

E essa história termina assim.
Eu nunca fiquei sabendo o fim;
só sei que as ovelhinhas,
pobrezinhas,
tiveram que correr,
correeeeeeeeer pelo morro,
fugindo daquele lobo
grandão,
forte e mauzão.

Fiquei sabendo também
que nunca mais
o jovem pastorzinho
inventou coisas que não existiam.
Dizem que ele foi até seus vizinhos
e pediu desculpas direitinho,
prometendo que nunca mais
ia fazer ninguém de bobinho...