Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos
Por essa semana, não propositadamente, observei por três vezes,
mães e filhos andando e/ou atravessando ruas. Achei curioso e ao mesmo tempo
inconcebível o que via:
- O primeiro episódio deu-se com uma mãe, uma criança que
aparentava 3 anos, e um cachorrinho, que a senhora carregava pela coleira. Até
hoje eu não compreendi porque a criança andava livremente, enquanto o cãozinho
estava seguro e salvo pela coleira agarrada por sua dona. Eu só me dei conta do
fato porque ouvi o grito de uma mãe: “Menino, olha o carro. Eu não disse para
não atravessar a rua?”
Confesso que eu tive vontade de gritar aquela mãe à mesma
altura, por ter um filho pequeno solto na calçada de uma rua tão movimentada.
Mas eu me contive, óbvio, e apenas disse em tom de empatia: “Quer ajuda,
senhora? Quer que eu segure a mão de seu filho até ali?” – e disse apontando a
próxima rua onde eu entraria. A mãe agradeceu, disse que não precisava, que ele
tinha que aprender, que ela já tinha ensinado, mas que o filho se esquece da
vida quando está na rua etc.
Não havia espaço para uma conversa ali, mas eu não pude evitar
de afirmar: “Crianças são assim mesmo. É que existem muitas coisas no mundo que
elas gostam de apreciar, então, é muito normal que elas “esqueçam da vida”. Eu
acho mais seguro segurá-las pela mão, quase como a senhora está fazendo com o
cachorrinho... Crianças nessa idade são assim, quase como esse cãozinho, não
sabem muita coisa e nem entendem os perigos da vida. Com o tempo elas vão
aprendendo, percebe?”
- O segundo fato eu observei em outra rua. Era um grupo de mães
que voltavam com seus filhos de uma escola, ao final da tarde. Uma das mães
tinha ao colo um bebê com aparência de recém-nascido. Eu não percebia ao certo
quem era mãe de quem, até ouvir: “Eu te encho de pancada, seu lerdo. Você não
está vendo o carro não? Você não vê que eu estou ocupada? Por que não prestou
atenção?”
Eu jurei que a voz era da mulher que tinha o bebê, e estive ponderando
como era difícil ter que andar a pé, com um bebê ao colo e tomar conta de outra
criança no meio da rua; que o fator dificuldade de lidar com a situação,
acrescido do susto, fez com que ela gritasse daquela forma. Mas, para minha
surpresa, a criança ameaçada de apanhar por atravessar a rua sem autorização
era a de uma mãe que trazia à mão uma sacola, que conversava tranquilamente com
outra mãe do grupo, que, por sua vez, não trazia nada nas mãos, nem tinha uma
criança perto de si. Eu fiquei pensando o que de tão extraordinário tinha na
sacola daquela mulher que era mais importante do que a vida de seu próprio
filho. Analisei, também, o que se passava pela cabeça da mãe ao achar que
machucar o filho com pancada era mais útil que cuidar dele até que tivesse
maturidade para andar solto ao seu lado ou sozinho; o que se passava pela
cabeça de uma mãe que queria livrar o filho da dor de um atropelamento,
jurando-lhe pancadaria, dores provocadas a propósito, dores provocadas por ela
mesma, a mãe, a pessoa em quem a criança confia, a pessoa que deveria ser para
a criança o seu abrigo, seu ponto de aconchego, seu porto seguro.
- O terceiro caso eu apenas ‘ouvi a cena’, mas algo me chamou
muito a atenção num grito de desespero de uma mãe: “Olha o carro, menina!”. E:
“Eu não disse que vinha carro? Por que você passou?”
Analisando a fala da mãe, percebi que se referia a outra criança
andando livremente, sem ainda ter alcançado a capacidade de compreender os
perigos que a cerca, que ainda dependia da atenção e dos cuidados de um adulto
ao atravessar a rua. Além disso, e me referindo à necessidade de falar com
clareza à criança, pude observar na fala da mãe, que ela nada pediu claramente
à criança; ao aparecer um carro subitamente, a mãe não deu ordens à menina para
que permanecesse no lugar, ou para que não atravessasse a rua. Ao ouvir o “Olha
o carro!”, uma criança pequena é capaz de simplesmente olhar o carro; é capaz
também de pensar: “Eu atravesso a rua e depois eu olho o carro, cumprindo a
ordem de minha mãe.”; “Pra que a minha mãe está me mandando olhar o carro? Será
que é um carro bonito? Será que o carro vem muito rápido?”
Andréa Mascarenhas