quarta-feira, 20 de maio de 2015

Coisas que ouvimos por aí... (parte 1)

“Em situações extremas, é correto dar umas palmadas numa criança, para lhe ensinar, já que ela não tem o discernimento para saber o que é certo ou errado.”(?)

O pensamento é equivocado; traz implícito o argumento que um adulto, por ter o discernimento completo, não pode apanhar como consequências de suas ações, mas uma criança, que não tem discernimento precisa levar palmadas para aprender. 
Faz sentido? Pensando por essa visão, seria o adulto, então, que mereceria apanhar, porque erra consciente de seu erro, não?

Será justo que exatamente a criança, ainda em formação, que não tem o discernimento completo, que não sabe diferenciar o que é correto do que não é; que muitas vezes, ainda que entendendo o que é ‘certo’, sua formação cognitiva ainda não está preparada para agir sabiamente e livre de impulsos, precise apanhar pra aprender? Esse não seria exatamente um dos motivos pelos quais uma criança precisa ser educada com carinho e paciência, utilizando-se o adulto de várias estratégias para ensiná-la, até que alcance a fase em que saberá atuar com consciência e responsabilidade?

Muitos pais acham que a palmada é um caminho fácil e descomplicado e, muitas vezes, é o único caminho, enquanto a criança não tem capacidade de compreender palavras. Para facilitar a compreensão do leitor, apresentarei alternativas às palmadas, para lidar com a criança que ainda não tem discernimento do “certo” e do “errado”. Utilizarei como exemplo um comportamento muito apresentado pelas crianças pequenas, ainda sem discernimento, incapazes de compreender o ‘não’ e as explicações dadas pelos adultos – o mexer em tomadas.

Ouvi, certa vez, uma mãe a dizer: “Mas eu prefiro dar uma palmada em meu filho do que deixá-lo tomar um choque elétrico.” Pergunto: Só há essas duas alternativas? A mesma mão que dá a palmada, e utilizando-se aproximadamente do mesmo tempo - apenas segundos -, não pode tirar a mão de seu filho de perto da tomada, evitando, sem dor, o choque elétrico?

Reporto-me à reflexão utilizada na imagem, e lhe convido a pensar:
Se a pessoa a mexer na tomada, não fosse uma criança, mas estivesse igualmente em vulnerabilidade e risco, o que você faria? Acharia, sim, outra alternativa além palmada, não é? Sendo mais específica: se você estivesse cuidando de um idoso com grave desequilíbrio mental, o que você faria?

Possíveis opções:
- Daria um jeito de deixar as tomadas escondidas atrás de móveis.
- Colocaria protetores nas tomadas.
- Desviaria a atenção do idoso para alguma coisa que lhe atraísse.

Não sendo possível nenhuma alternativa anterior, é bem provável que você, amando esse idoso (caso fosse pai ou mãe, por exemplo) ficaria com a, talvez ÚLTIMA opção (e que, certamente, não seria uma palmada):
- Vigiaria o idoso durante 100% do tempo – você dormiria apenas depois q ele adormecesse; você o deixaria em um local livre de tomadas no momento do sono, porque caso o idoso acordasse antes de você...

Estou apresentando essas opções considerando que você acredita que não se bate em idoso, certo? E creio que a opção acima, de vigiá-lo durante todo o tempo (isso inclui pagar alguém pra vigiá-lo enquanto você estivesse trabalhando) seria a última opção, mas seria uma opção, caso fosse necessário, verdade? 

Agora eu lhe pergunto: por que você é capaz de livrar um idoso que você ama, de sofrer um acidente, sem utilizar-se de palmadas ou outra espécie de violência, mas não seria capaz de livrar seu filho que você talvez ame muito mais?

Se uma criança pequena avança com seu dedinho para colocá-lo em uma tomada; se a criança corre em disparada para o meio da rua, onde há carros em movimento; se a criança sobe na cadeira ou na mesa etc., e ainda não tem discernimento para compreender os perigos por que passa, e não está apta a entender a língua ‘NÃO PODE’, de nada vale que o adulto continue pedindo ou mandando que ela “Pare!” ou “Desça!”, ou “Não corra para a rua!”, e não é por isso que ela deverá levar palmadas. As suas funções cognitivas ainda não estão preparadas para compreender e aprender. Em vez de dar ordens, tire a criança da situação de perigo ou tire os objetos de risco de perto da criança, ou segure a criança para que não parta para situações de risco.

Podemos usar de várias alternativas ATÉ QUE a criança passe a entender. E como o tempo passa muito rapidamente, acho que isso SÓ deverá durar uns 3, 4 anos... (Tenho uma amiga que ficou com seu avô idoso e em insanidade mental por muito mais tempo; trancou a faculdade para cuidar dele e livrá-lo dos perigos, e cuidou dele sem palmadas e gritos até a sua morte; nisso ela “perdeu” quase 10 anos de sua vida.)

E com crianças ainda é bem mais simples do que com idosos, porque a criança está evoluindo e aprendendo. É mais simples também porque a criança pode ser muito mais facilmente atraída por outras coisas. Basta um pouco de água e sabão, por exemplo, e ela já trocou a tomada pelas bolhas coloridas no ar; diferente do idoso...

“Às vezes se diz que as crianças não estão aptas para a liberdade do autocontrole até que atinjam a idade da razão, e enquanto isso, devem permanecer em um ambiente seguro ou serem punidas. Se a punição pode ser adiada até que alcancem a idade da razão, pode ser inteiramente dispensada.” (Burrhus Frederic Skinner)

Então, a ideia equivocada de que “em situações extremas, é correto dar umas palmadas numa criança, para lhe ensinar, já que ela não tem o discernimento para saber o que é certo ou errado.”, baseia-se tão somente na forma como você foi educado. Talvez você seja uma das pessoas que cresceram sabendo que criança tem que levar palmada pra aprender; e talvez você precise refletir um bocadinho para enxergar além... Essa palmada que até chamam, carinhosamente, de ‘palmadinha’, não é tão inofensiva como se pensa. 

Quando falamos que palmada é violência, estamos falando com base em pesquisas e estudos científicos sobre o tema. Para compreender melhor, peço-lhe que leia os dados sobre violência no Brasil e perceba como a palmada é veículo para formas de violência mais cruéis. Uma criança que recebe uma ‘palmadinha’ hoje, amanhã receberá uma palmada, depois um, dois três tapas muito mais fortes, escalando para sandaliadas e muito provavelmente surras de cinto, pedaços de pau etc. - Mapa da violência no Brasil - Dados Oficiais:http://www.mapadaviolencia.org.br/.../MapaViolencia2012...

Punição NÃO educa, porque educar não é impor medo e sim ensinar, informar (e, paulatinamente, cientificar) a criança do que é certo e do que é errado; assegurar à criança a construção de valores como respeito, honestidade, coragem, amor, solidariedade (e todos que julguemos importantes para a vida de nossos filhos). Isso se faz com respeito à criança, sem invadir-lhe o corpo e sem impor-lhe dor proposital. Para isso, é necessário utilizar-se de paciência, carinho e atenção; é preciso entender as fases por que passa a criança, aprender a lidar com cada fase, saber ouvir, dialogar etc.

Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos

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