quinta-feira, 27 de novembro de 2014

FILHO NOSSO DE TODO DIA...

Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos

Por essa semana, não propositadamente, observei por três vezes, mães e filhos andando e/ou atravessando ruas. Achei curioso e ao mesmo tempo inconcebível o que via:

- O primeiro episódio deu-se com uma mãe, uma criança que aparentava 3 anos, e um cachorrinho, que a senhora carregava pela coleira. Até hoje eu não compreendi porque a criança andava livremente, enquanto o cãozinho estava seguro e salvo pela coleira agarrada por sua dona. Eu só me dei conta do fato porque ouvi o grito de uma mãe: “Menino, olha o carro. Eu não disse para não atravessar a rua?”

Confesso que eu tive vontade de gritar aquela mãe à mesma altura, por ter um filho pequeno solto na calçada de uma rua tão movimentada. Mas eu me contive, óbvio, e apenas disse em tom de empatia: “Quer ajuda, senhora? Quer que eu segure a mão de seu filho até ali?” – e disse apontando a próxima rua onde eu entraria. A mãe agradeceu, disse que não precisava, que ele tinha que aprender, que ela já tinha ensinado, mas que o filho se esquece da vida quando está na rua etc.

Não havia espaço para uma conversa ali, mas eu não pude evitar de afirmar: “Crianças são assim mesmo. É que existem muitas coisas no mundo que elas gostam de apreciar, então, é muito normal que elas “esqueçam da vida”. Eu acho mais seguro segurá-las pela mão, quase como a senhora está fazendo com o cachorrinho... Crianças nessa idade são assim, quase como esse cãozinho, não sabem muita coisa e nem entendem os perigos da vida. Com o tempo elas vão aprendendo, percebe?”

- O segundo fato eu observei em outra rua. Era um grupo de mães que voltavam com seus filhos de uma escola, ao final da tarde. Uma das mães tinha ao colo um bebê com aparência de recém-nascido. Eu não percebia ao certo quem era mãe de quem, até ouvir: “Eu te encho de pancada, seu lerdo. Você não está vendo o carro não? Você não vê que eu estou ocupada? Por que não prestou atenção?”

Eu jurei que a voz era da mulher que tinha o bebê, e estive ponderando como era difícil ter que andar a pé, com um bebê ao colo e tomar conta de outra criança no meio da rua; que o fator dificuldade de lidar com a situação, acrescido do susto, fez com que ela gritasse daquela forma. Mas, para minha surpresa, a criança ameaçada de apanhar por atravessar a rua sem autorização era a de uma mãe que trazia à mão uma sacola, que conversava tranquilamente com outra mãe do grupo, que, por sua vez, não trazia nada nas mãos, nem tinha uma criança perto de si. Eu fiquei pensando o que de tão extraordinário tinha na sacola daquela mulher que era mais importante do que a vida de seu próprio filho. Analisei, também, o que se passava pela cabeça da mãe ao achar que machucar o filho com pancada era mais útil que cuidar dele até que tivesse maturidade para andar solto ao seu lado ou sozinho; o que se passava pela cabeça de uma mãe que queria livrar o filho da dor de um atropelamento, jurando-lhe pancadaria, dores provocadas a propósito, dores provocadas por ela mesma, a mãe, a pessoa em quem a criança confia, a pessoa que deveria ser para a criança o seu abrigo, seu ponto de aconchego, seu porto seguro.

- O terceiro caso eu apenas ‘ouvi a cena’, mas algo me chamou muito a atenção num grito de desespero de uma mãe: “Olha o carro, menina!”. E: “Eu não disse que vinha carro? Por que você passou?”

Analisando a fala da mãe, percebi que se referia a outra criança andando livremente, sem ainda ter alcançado a capacidade de compreender os perigos que a cerca, que ainda dependia da atenção e dos cuidados de um adulto ao atravessar a rua. Além disso, e me referindo à necessidade de falar com clareza à criança, pude observar na fala da mãe, que ela nada pediu claramente à criança; ao aparecer um carro subitamente, a mãe não deu ordens à menina para que permanecesse no lugar, ou para que não atravessasse a rua. Ao ouvir o “Olha o carro!”, uma criança pequena é capaz de simplesmente olhar o carro; é capaz também de pensar: “Eu atravesso a rua e depois eu olho o carro, cumprindo a ordem de minha mãe.”; “Pra que a minha mãe está me mandando olhar o carro? Será que é um carro bonito? Será que o carro vem muito rápido?”

O adulto precisa compreender que o pensamento da criança é diferente do pensamento do adulto. Há mecanismos imaturos; há interferências nas ações; a própria incapacidade de compreensão dos perigos pode definir os passos posteriores, e estes podem ser desastrosos. Por isso, muita atenção e cuidado; muita paciência com o seu filho, todo dia, todo dia, todo dia... até que ele seja capaz de compreender melhor o mundo a sua volta.

Andréa Mascarenhas

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