terça-feira, 28 de agosto de 2012

Por que você mora na rua?

Andréa Mascarenhas


Em meu contato com crianças deparo-me, muitas vezes, com fatos engraçados, mas, se bem observados, muito interessantes. Fico a analisar como funciona o pensamento da criança.

Estava à espera do horário para início de um de meus trabalhos com os pais, quando uma criança bem ativa, com o nome de Sofia, aproximou-se de mim, de uma forma bem animada, que é própria da criança, e, após minutos de brincadeira com suas bonequinhas, eis a pergunta:

- Onde você mora?

Eu, certa de estar dando a resposta correta, digo com bastante entusiasmo na voz e toda sorridente, tentando corresponder à animação da garotinha: Eu moro na Rua Nova Esperança, n° 40.

E a menina, espontaneamente, com ar de admiração e piedade:

Oh... Você não tem casa? Por que você mora na rua???

Sem saber se respondia ou se ria, tentei explicar-me para a menininha de apenas 4 anos:

- Eu tenho casa, minha casa fica na rua Nova Esperança n° 40...

E ela precisou de provas para passar a acreditar que eu não a estava enganando, que eu não tinha mudado de resposta. E pede gesticulando:

- Então me diz: Quem são seus vizinhos do lado de cá? E quem são seus vizinhos do lado de lá?

Ri bastante e, como sempre faço quando me deparo com situações desse tipo vivenciadas com crianças, aproveitei para aprender com ela. E fiquei pensando sobre como ocorre o pensamento infantil, como a criança pensa diferente do adulto e como precisamos compreender isso para saber como proceder em diversas situações de interação com ela.

Compreender que a criança não pensa da mesma forma que o adulto não é uma tarefa tão complexa, mas lidar com comportamentos e reações provocadas pela compreensão (ou não compreensão) que esse ser pequenino tem do mundo que a cerca, muitas vezes, é bem desgastante para os adultos.

Segundo Jean Piaget (1896-1980), psicólogo e filósofo suíço, conhecido pelo seu trabalho desbravador no campo da inteligência infantil, o pensamento da criança desenvolve-se gradativamente, e em uma sucessão de estágios ela vai construindo conceitos, formando suas opiniões, de acordo às oportunidades, possibilidades e experiências vividas. Nem sempre, contudo, as crianças correspondem às noções presentes no mundo adulto.

Grande parte dos conflitos que ocorrem entre pais e filhos dá-se pela não compreensão de como funciona a mente das crianças. Dadas as ordens, a mãe ou o pai espera o pronto atendimento por parte de seu (a) filho (a), e ele/a, muitas vezes, não consegue retribuir essa expectativa. Conciliar os dois pontos de vista – o infantil e o adulto – é um dos aspectos importantes para amenizar os conflitos que ocorrem entre pais e filhos. É preciso, portanto, que a forma de pensar da criança seja respeitada e, ao mesmo tempo, que esta tenha contato com as noções estabelecidas pelos adultos, para que, assim, construa seu próprio conhecimento.

Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos

domingo, 5 de agosto de 2012

A punição corporal - terror doméstico contra crianças e adolescentes

Andréa Mascarenhas


A punição corporal faz parte das relações parentais desde os primórdios, sempre camuflada por trás da educação, da imposição de limites aos filhos. São muitas as formas de castigo físico adotado por pais, mães e/ou responsáveis no disciplinamento de crianças e adolescentes. A violência doméstica contra a criança e o adolescente é um problema que faz milhares de vítimas e não escolhe nível social, econômico ou cultural, e pode impedir um bom desenvolvimento físico e mental das pessoas vítimas.

Ao constituir o olhar sobre a educação da infância referida às relações parentais, p. ex., temos resgatado teórica e empiricamente a produção sobre as condições históricas de transformação das relações familiares, seus reflexos nas expectativas, representações e ações dirigidas à educação das crianças e as formas como se manifestam as relações cotidianas. Para tanto, tomamos como foco principal o processo de socialização e a possível manifestação da violência doméstica contra a criança (Magalhães; Barbosa, 2003, p. 76).

As raízes desta prática violenta – a punição corporal – comum em tantas culturas, remontam à Antiguidade. Os castigos físicos ocupam lugar principal na educação das crianças. A história mostra-nos isso. O castigo físico constituía-se na única forma reconhecida de manifestação da autoridade, revelava a desumanidade contra a criança e o adolescente nas relações parentais da época, era como um símbolo da ‘profissão de pais’ na disciplina dos filhos.

Existe, porém, grande diferença entre punir e disciplinar. O filósofo francês Michel Foucault define com bastante propriedade isso; segundo o teórico, a punição ou o castigo seria tudo aquilo que advêm após a falta cometida, na tentativa de evitar sua repetição, através da ameaça, do medo, ou da repressão. A disciplina, por sua vez, é um processo contínuo de instrução e acompanhamento, com mecanismos e ferramentas diferenciadas, entre elas está o diálogo, que tem como objetivo evitar o aparecimento da falta.

Infelizmente são muitas as situações que turbam e degeneram a individualidade das crianças, em sua maioria frutos de famílias desestruturadas, onde pais e filhos são desligados afetivamente, através da rejeição física e/ou psicológica, através das cobranças exageradas, causando-lhes sofrimento, principalmente aos mais introvertidos. Estudos contemporâneos sobre práticas de violência evidenciam que a maioria dos atos desta natureza advém dentro do ambiente doméstico. O lar deixa de ser o ambiente protetor da criança e adquire uma perspectiva aterrorizante e ameaçadora.

A família é o reino do interdito e da pretensão de ‘mandar’ nos seus membros, como se fossem coisas e não pessoas. Toda interdição à possibilidade de crescimento e desenvolvimento afetivo, intelectual, existencial, sexual, físico e político da criança, é uma violência tão brutal quanto a pedofilia, o abuso sexual, a privação emocional, a violência física (a palmada e afins) e a tortura. Estas, aliás, são rebentos monstruosos daquelas. (B. OLIVEIRA, Thelma, 2012, O Livro da Maternagem, p. 486).

O castigo corporal não marca apenas o corpo físico; ele destrói o interior, humilha e até mata; constitui, portanto, um agravo à integridade humana. No entanto o hábito está tão impregnado na mente das pessoas, que elas não conseguem enxergar mal algum nessas práticas; e até as defendem.

Segundo Lima (2004) há quem não usa castigo físico, mas violenta psicologicamente, e isso pode ter um efeito tão negativo quanto o primeiro na formação da personalidade da criança. Castigo psicológico marca para sempre o ser humano. A violência – física ou psicológica - além de trazer danos à saúde física e mental do homem, prejudica o seu desenvolvimento por inteiro. Entre as grandes consequências dos castigos físicos estão as manifestações de agressividade, os distúrbios de conduta, o fracasso escolar, problemas de saúde física, baixa autoestima, ansiedade e dificuldade para relacionar-se socialmente. Todos esses problemas interferem na atenção e concentração, afetando, portanto, a aprendizagem.

São alguns dos métodos de penitência e tortura tradicionais na vida da família: a extorsão, o insulto, a ameaça, o cascudo, a bofetada, a surra, o açoite, o quarto escuro, a ducha gelada, o jejum ou a comida obrigatória, a proibição de sair, de dizer o que pensa, de fazer o que sente e a humilhação pública... Para castigo à desobediência e exemplo de liberdade, a tradição familiar perpetua uma cultura do terror que humilha a mulher, ensina os filhos a mentir e contagia tudo com a peste do medo. (B. Oliveira, Thelma O Livro da Maternagem, 2012, p. 415, apud EDUARDO GALEANO, O livro dos abraços, 1989)

Capítulo 2.2. de meu TCC 'RELAÇÕES INTERPESSOAIS E A APRENDIZAGEM: O IMPACTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO DESEMPENHO ESCOLAR', disponível em: http://www.4shared.com/office/0KNzH8bW/TCC_-_Relaes_interpessoais_e_a.html

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O impacto da violência doméstica na aprendizagem

Andréa Mascarenhas


A escola é uma instituição cultural, e é onde acontece a troca, fundamental para que ocorra o aprendizado. O desenvolvimento da inteligência exige a ação e a interação com o objeto de conhecimento; nesse processo de troca, os conhecimentos vão sendo gerados, porém dependerão de outros fatores e condições sociais internos e externos ao ambiente escolar. O psicólogo francês Wallon diz que “a emoção é a fonte do conhecimento”. O desenvolvimento da criança, portanto, está intimamente ligado tanto ao conhecimento quanto às emoções e sentimentos.

Ausência de diálogo pode fazer com que as crianças cresçam rejeitadas, desobedientes e agressivas. As relações familiares e o carinho dos pais exercem grande influência sobre a evolução dos filhos. As primeiras aprendizagens das crianças ocorrem na primeira relação com a mãe (primeiras palavras, gestos...). “Nessa relação, a criança constrói seu estilo particular de aprendizagem, que sofrerá modificações à medida que a criança se relaciona com outros contextos” (Almeida, 1999, p. 48).

É importante saber, por isso, que tipo de relação a família está tecendo com a criança. Quando bem tratada, amada e respeitada, a criança desenvolve autoconfiança, sentimento que a ajuda no desenvolvimento de suas habilidades e na crescente produção de conhecimentos. Ela se sente encorajada a aprender. O desenvolvimento emocional das crianças e adolescentes é afetado de forma muito intensa no mundo atual, pois, ainda segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), “o afeto implica em aceleração ou retardamento da formação das estruturas”. Sendo assim, a violência doméstica, conhecida camufladamente com punições educativas, é um dos fatores que dificultam a aprendizagem. As consequências da violência doméstica podem ser mais explicadas e mais evidenciadas ainda. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma:
As consequências da violência infantil sobre a saúde e o desenvolvimento das crianças maltratadas persistem durante a idade adulta e estão relacionadas com um amplo leque de comportamentos de risco, como o abuso das drogas e do álcool. (Organização Mundial da Saúde - OMS).

Uma revisão de pesquisas desenvolvidas ao longo dos últimos vinte anos também confirma as consequências duradouras e nocivas ao desenvolvimento da criança e adolescente vítimas de punições corporais. “Apesar de que o castigo físico pode conduzir a criança a fazer algo na situação imediata, existem muitos efeitos colaterais que podem se desenvolver a longo prazo”, explica a coautora da revisão, Joan Durrant, da Universidade de Manitoba no Canadá. A revisão foi publicada no periódico Canadian Medical Association Journal.

O desenvolvimento emocional das crianças e adolescentes é afetado de forma muito intensiva no mundo atual, pois, ainda segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), “o afeto implica em aceleração ou retardamento da formação das estruturas”.
Uma outra pesquisa, realizada por psiquiatras e neurocientistas da Universidade Washington de Saint Louis, comprova que uma área do cérebro, denominada hipocampo, responsável pela memória, é maior nas crianças criadas com afeto. O estudo, publicado pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) indica a relação entre a criação e o tamanho do hipocampo. As crianças criadas com afeto tinham o hipocampo quase 10% maior que as demais. Esse fator pode ter um impacto muito grande no desenvolvimento da inteligência da criança, posteriormente. Essa pesquisa é o primeiro trabalho a mostrar uma mudança anatômica no cérebro.

No Canadá, pesquisas realizadas pela Universidade de Toronto comprovaram que crianças de 3 anos, que apanharam de seus pais, ainda que com as palmadas consideradas por muitos como pedagógicas, apresentavam dificuldade de aprendizado.

Um outro estudo, americano, constatou que a inteligência de crianças que não receberam palmadas até os 4 anos era maior do que a de crianças que foram agredidas por elas. Uma matéria publicada na Revista Veja (Editora Abril) - 20 de março de 1996 - traz explicação para tais situações: As experiências durante a infância nutrem os circuitos nervosos e definem o futuro da área cognitiva e afetiva do cérebro. As boas experiências fornecem subsídios para um bom desenvolvimento da inteligência das crianças; as experiências ruins atrofiam a inteligência. Se as situações negativas vividas são isoladas e não se repetem, acabam por serem deletadas da memória; se elas se prolongam por mais tempo, transforma o cérebro da vítima em um museu de horror. As surras, por exemplo, são experiências capazes de estourar regiões do cérebro, inclusive a amígdala, região onde estão concentradas as emoções.

A família, porém, tem se ausentado, cada vez mais, na educação dos filhos, negando-lhes o direito ao contato afetuoso e, consequentemente, à formação plena de sua integridade emocional. Segundo dados da agência sanitária, a violência durante a infância é o fator responsável por cerca de 6% dos casos de depressão, de abuso ou dependência química, 8% das tentativas de suicídio, 10% das crises de pânico na juventude e na fase adulta.

Incontestável, portanto, a necessidade de intervenção profissional para amenizar as dificuldades de aprendizagem geradas por tal ato, devolvendo às vítimas o resgate da sua autonomia e de sua capacidade de aprendizagem.
Está bem estabelecido que os efeitos da violência doméstica contra a criança e o adolescente podem durar a vida inteira e diminuírem significativamente as chances de uma criança ter um desenvolvimento integral e saudável. (Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul - Print version ISSN 0101-8108).

Capítulo 2.3. de meu TCC 'RELAÇÕES INTERPESSOAIS E A APRENDIZAGEM: O IMPACTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO DESEMPENHO ESCOLAR', disponível em: http://www.4shared.com/office/0KNzH8bW/TCC_-_Relaes_interpessoais_e_a.html