quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Educação de filhos: Erros, estradas e retornos.

Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos

"E quando eles errarem?" Eis uma pergunta que escuto bastante de mães e pais que estão iniciando-se na Disciplina Positiva. Quero dedicar uma partícula do meu tempo para falar um pouco sobre os erros das crianças.

Em nossa sociedade, há uma concepção equivocada e improdutiva a respeito dos erros da criança, de modo que quase sempre nos pegamos com o sentimento de péssimos pais quando não conseguimos corrigir os erros de nossos filhos. Como sempre, vou ilustrar o que afirmo por meio de fatos e falas.

Eu estava com este texto já bem conduzido quando decidi reescrevê-lo para incluir a fala de um amigo ao meu marido, dentro de nosso carro, ontem, enquanto transitávamos pelas ruas de Salvador, com destino a uma clínica de olhos. Meu marido, por um pequeno vacilo ou distração, deixou de entrar na rua que nos levaria ao nosso destino, seguindo direto na estrada. Ao perceber que teria que pegar o retorno e que este não se encontrava tão próximo, fez um pequeno gesto de aborrecimento consigo mesmo. Nosso amigo, que conhecia bem o caminho, mas que se distraíra com nossa conversa, tranquilamente afirmou: “Calma; isso não é negativo. Você apenas errou a entrada da rua. Agora estamos passando por um lugar que você não conhecia antes; isso significa que você está conhecendo outras imediações, e já conseguirá seguir por um caminho diferente quando necessário. Por enquanto, é só ficar atento ao retorno. Um erro na estrada não é tão ruim assim, pois você aprende outros caminhos.” Enquanto percorríamos o caminho que tomamos acidentalmente, o nosso amigo foi mencionando alguns elementos do bairro que nós desconhecíamos. E com paciência e atenção, lembrava ao motorista de pegar o retorno logo adiante.

De fato, é assim mesmo que devemos ver o erro. O erro faz parte da natureza humana. E com as crianças não é diferente. Nós, os pais, podemos ajudar os nossos pequenos a utilizarem atitudes erradas na construção de aprendizados diversos. Um erro, quando percebido e trabalhado, pode gerar aprendizados sólidos e duradouros. A melhor forma de lidar com atitudes equivocadas dos filhos, além de dialogar e compreender por que elas não são apropriadas, é ajudar as crianças a “fazerem o retorno”, consertando o erro, sempre que possível; isso deve ser realizado com empatia e carinho, não como castigo. Castigo não educa; ensinar à criança a consertar o seu próprio erro, sim. Primeiro você deve apontar a seu filho o caminho certo. Se ele errar, você deve mostrar o retorno; se ele errar novamente, e não necessariamente nessa ordem, você deve ir junto, fazer o percurso com ele, mostrar como se faz, como se percorre aquele caminho. E se o erro continuar? Ensine tudo de novo; vá junto com ele novamente, seja incansável. E caso as coisas fujam ao seu controle, não hesite em procurar orientação e ajuda. Viver é aprender...

Frente ao erro das crianças, aproveito para destacar algumas atitudes que nunca devemos ter:
- Criticar a criança. Critique o erro, e não a criança. Diga-lhe para tentar encontrar formas de resolver seus próprios erros; aponte caminhos para os acertos e para o seu crescimento individual.
- Ridicularizar a criança. Ridicularizar a criança no momento das falhas é correr o risco de podá-la, de acuá-la por medo de errar. E isso não é ético nem saudável.

Enfim, caminhe com a criança e oriente os seus passos. A estrada da vida é longa e há tempo suficiente para ensinar-lhe muitas coisas boas. Certifique-se de que você conhece bem o caminho. Priorize o que é fundamental – o amor ao próximo, a cooperação, a paz, a paciência, a atenção às suas próprias necessidades e às do outro, o respeito e demais atitudes que você considera importantes para uma boa convivência social.

Enquanto caminham, aproveite para falar ao seu filho dos detalhes da estrada, tanto do caminho certo quanto do caminho equivocado; aproveite para falar de tudo o que ele for encontrando pela frente, das coisas simples (uma flor na estrada, por exemplo) às mais complexas (os prédios gigantescos que atrapalham a nossa visão). Perceba: flores pelo chão não são apenas flores pelo chão. As flores podem ensinar a delicadeza do nosso trato para com as pessoas; podem ensinar as diferenças entre elas; flores podem ensinar sobre o “perfume que fica na mão de quem as oferece”. Não perca oportunidade de usar elementos simples da natureza para ensinar coisas nobres e complexas aos seus filhos. Assim estaremos, de fato, preparando a criança para errar menos e acertar muito mais, da infância à fase adulta.

Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos


sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Não é justo!

Andréa Mascarenhas


Tenho estado um tanto reflexiva a respeito de um tema importante na relação mãe-pai-filho; feitas algumas conclusões a respeito, resolvi compartilhar este simples texto, mas que pode lhe ajudar a refletir em um componente importantíssimo na vida de sua criança e na sua relação com ela: o sentimento de dependência.

Escrevi há alguns meses uma poesia que descreve a evolução natural do homem e aponta para um ser humano, sempre e em todas as fases da vida, dependente; mostra que, uma vez “formado” e “independente”, o ser humano volta quase que imediatamente à “estaca zero” da dependência, na fase adulta, exatamente no momento em que cheio da sua própria independência, busca com seus olhos e com o seu coração alguém que lhe complete, que lhe ponha um laço, que lhe proíba de viver só. Ora, se somos seres dependentes um do outro, por que há uma busca tão ansiosa pela dependência da criança, uma busca que separa o bebê de sua mãe de forma tão desastrosa? Por que deixar seu filho em um berço sozinho, sem desfrutar de seu calor e aconchego noturno? Por que tanta pressa pela independência?

Se o ser humano curtisse tanto a independência, por qual motivo procuraria na fase adulta um cônjuge para acobertar-lhe o rosto nas madrugadas frias (ou quentes), um amigo para lhe servir de companheiro nas caminhadas, de conselheiro nos momentos de decisões e tristezas? Enfim, por que o adulto pode ter o aconchego noturno, e a criança, não? Enfim, por que forçar a independência da criança se, naturalmente, somos seres dependentes, eternamente dependentes?

Parece um tanto espantoso como as pessoas custam a perceber isso, e a sociedade, que tanto anda e evolui tecnológica e cientificamente, a passos de tartaruga mostra a sua evolução a respeito de qualquer assunto que se refira à criança. Percebo que a cultura da violência infantil está ateada em todos os componentes que constituem a infância e a maternidade. De forma disfarçada, ela começa muito antes do nascimento da criança, e a acompanha por muitos anos.

Conversando com uma colega de trabalho a respeito do valor que se dá à independência precoce da criança, ela, terna e reflexivamente, conta-me: “Essa noite fazia um friozinho tão gostoso. Eu percebi que a cada momento, deitada com meu marido na nossa cama, eu achegava-me a ele, buscando, cada vez mais, conforto e calor. Então olhei a minha filha, no nosso próprio quarto, mas dormindo sozinha no bercinho, e pensei comigo: Não é justo!”

Então, é isso... Não é justo!

Não é justo que o adulto possa ter ao seu lado alguém que o aqueça nas noites frias, enquanto que a criança não;
Não é justo que o adulto tenha o seu cobertor de pele, enquanto que a criança um cobertor de tecido, que não lhe capta as sensações, desejos e necessidades noturnas;

Não é justo que só o papai fique com a mamãe à noite, enquanto que a criança, que passou 9 meses dentro dela, tenha que ser separada até de perto dela;

Não é justo que a mãe não possa sentir o compasso da respiração da criança ao dormir, e tenha que levantar a toda hora para conferir se a criança está bem, e respirando bem;

Não é justo deixar a criança sozinha, sujeita a sentir medo e abandono;
Não é justo deixar sozinho um ser que quase em seu primeiro ano de vida completo percebe-se como uma extensão do corpo da mãe e nem sabe que é uma pessoa com corpinho próprio e “independente”.

Não, não é justo. O bebê com o sentimento de dependência; e a mãe, e o papai, e a avó, e a casa inteira, e a pediatra, e a cuidadora, e a professora da creche, e a diretora, e a creche inteira com a pressa de acostumar o bebê desde cedo com a ausência, que muito mais provoca e constrói a solidão, a indiferença do que a sua autonomia.

E não é justo pensar que a cama compartilhada é modismo. O bebê precisa e depende da mãe em tudo, e não há razões óbvias e científicas para ser afastado de pertinho dela ao dormir.

Eu não me recordo se a minha colega finalizou o seu relato e me fez saber a sua atitude; se ela fez valer o seu sentimento naquele momento, e, repelindo a injustiça que ousava entrar em seu quarto, mascarada por questões puramente culturais, pegou a sua criança ao colo e dividiu o seu calor e o do seu cônjuge com ela; mas, posso garantir que, se ela agiu como a maioria das mamães humanas naquele momento, ela sufocou o sentimento de justiça que clamava dentro dela. Em vão, sentimento de justiça... A cultura sempre fala mais alto, silencia a intuição da mãe, emudece novas informações; e a maioria das pessoas, muitas vezes, apenas prefere dizer (pra si mesma e para os outros): “Sempre foi assim...”

Livros, programas de TV, ‘Supernanny/s’, mães e sogras, vizinhas, amigos e amigas oferecem ajuda para arrancar, quanto mais cedo melhor, o bebê dos braços, do colo, do calor de sua mãe. Temos quase todos esses doadores de opiniões (se não mais...) a apontar um monte de coisa na educação de nossos filhos. Desde o seio materno (“Seu leite é fraco.”), o sono (“Coloca pra dormir em seu quarto e em seu berço pra ficar independente.”), a carência materna (“Deixa chorando pra não acostumar mal.”), ao que seriam os primeiros passinhos (“Coloca no andador pra aprender a andar cedo.”). A nova mãe recebe a interferência de pessoas que oferecem a todo instante ajuda e palpites. E entregue aos seus “ajudadores”, por estar cansada do processo que, naturalmente, é o de gestar e parir, a mãe dá permissão para arrebatarem o bebê dos seus braços, e inicia uma caminhada muito diferente daquela traçada pela natureza para si e para seu bebê.

É hora de trazer de volta sua criança para pertinho de você, mamãe, proporcionando-lhe aquele calor que ela precisa para crescer bem. Nenhum bom cobertor é capaz de tomar o lugar do corpo a corpo, do contato materno (e paterno).

Não se trata de modismos; a arte do apego mãe-bebê vem dos primórdios da história. Por que não deixarmos a maternidade seguir seu curso natural? Por que não respeitarmos a nossa natureza mamífera e, assim como os animais, acolher as crias com todo amor que a maternidade pode exalar?

E não somente a natureza mamífera. As aves trazem para perto de si suas ninhadas, aconchegam-nas embaixo de suas asas, aquecem-nas com o calor de seu sangue, afirmam e reafirmam o carinho, a maternidade e o amor; Cada espécie, após determinados tempos, estipulados de forma tão perfeita pela mãe-natureza, segue esvaziando-se de sua mamãe e abraçando seu destino. O ser humano, que é capaz de pensar, raciocinar, tomar decisões e aprender como se portar diante de cada situação nova, é o único que, incrivelmente, afasta de si as suas crias.

O amor, o carinho, o cuidado, podem ser muito mais claramente demonstrados ao seu filho com colo, cama compartilhada, amamentação em livre demanda e aconchego. Comprovadamente, o contato físico violento ou a ausência de contato e atenção contribui para o aparecimento de problemas de ordem emocional, ao passo que o contato físico afetuoso colabora para a construção da autonomia, da conexão necessária na relação, tanto nesses momentos como posteriormente.


Dormir com seu bebê, mamãe e papai, em um "quarto família", não é como muitos pensam – que deixará a criança eternamente condicionada a só dormir com os pais. Também não tira a privacidade do casal (a casa tem outros cômodos... Além disso, se você é daquelas pessoas que só curtem fazer sexo na cama, em vez de ter o quarto do bebê, tenha o “quarto do casal / do sexo”, oras!). Também não é perigoso como muitas pessoas falam (HÁ QUE SE OBSERVAR O CONJUNTO DE NORMAS GERAIS DE SEGURANÇA DA CAMA COMPARTILHADA). Tomados todos os cuidados, desfrute sem medo dessa sua decisão. Dormir com seu filho, ao passo que lhe transmite segurança e amor, comunica-lhe confiança para que, a seu tempo, busque a sua própria individualidade e autonomia.

Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos