Andréa Mascarenhas
Tenho estado um tanto reflexiva a respeito de um
tema importante na relação mãe-pai-filho; feitas algumas conclusões a respeito,
resolvi compartilhar este simples texto, mas que pode lhe ajudar a refletir em
um componente importantíssimo na vida de sua criança e na sua relação com ela:
o sentimento de dependência.
Escrevi há alguns meses uma poesia que descreve a
evolução natural do homem e aponta para um ser humano, sempre e em todas as
fases da vida, dependente; mostra que, uma vez “formado” e “independente”, o
ser humano volta quase que imediatamente à “estaca zero” da dependência, na
fase adulta, exatamente no momento em que cheio da sua própria independência,
busca com seus olhos e com o seu coração alguém que lhe complete, que lhe ponha
um laço, que lhe proíba de viver só. Ora, se somos seres dependentes um do
outro, por que há uma busca tão ansiosa pela dependência da criança, uma busca
que separa o bebê de sua mãe de forma tão desastrosa? Por que deixar seu filho
em um berço sozinho, sem desfrutar de seu calor e aconchego noturno? Por que
tanta pressa pela independência?
Se o ser humano curtisse tanto a independência, por
qual motivo procuraria na fase adulta um cônjuge para acobertar-lhe o rosto nas
madrugadas frias (ou quentes), um amigo para lhe servir de companheiro nas
caminhadas, de conselheiro nos momentos de decisões e tristezas? Enfim, por que
o adulto pode ter o aconchego noturno, e a criança, não? Enfim, por que forçar
a independência da criança se, naturalmente, somos seres dependentes,
eternamente dependentes?
Parece um tanto espantoso como as pessoas custam a
perceber isso, e a sociedade, que tanto anda e evolui tecnológica e
cientificamente, a passos de tartaruga mostra a sua evolução a respeito de
qualquer assunto que se refira à criança. Percebo que a cultura da violência
infantil está ateada em todos os componentes que constituem a infância e a
maternidade. De forma disfarçada, ela começa muito antes do nascimento da
criança, e a acompanha por muitos anos.
Conversando com uma colega de trabalho a respeito
do valor que se dá à independência precoce da criança, ela, terna e
reflexivamente, conta-me: “Essa noite fazia um friozinho tão gostoso. Eu
percebi que a cada momento, deitada com meu marido na nossa cama, eu
achegava-me a ele, buscando, cada vez mais, conforto e calor. Então olhei a
minha filha, no nosso próprio quarto, mas dormindo sozinha no bercinho, e
pensei comigo: Não é justo!”
Então, é isso... Não é justo!
Não é justo que
o adulto possa ter ao seu lado alguém que o aqueça nas noites frias, enquanto
que a criança não;
Não é justo que
o adulto tenha o seu cobertor de pele, enquanto que a criança um cobertor de
tecido, que não lhe capta as sensações, desejos e necessidades noturnas;
Não é justo que
só o papai fique com a mamãe à noite, enquanto que a criança, que passou 9
meses dentro dela, tenha que ser separada até de perto dela;
Não é justo que
a mãe não possa sentir o compasso da respiração da criança ao dormir, e tenha
que levantar a toda hora para conferir se a criança está bem, e respirando bem;
Não é justo
deixar a criança sozinha, sujeita a sentir medo e abandono;
Não
é justo deixar sozinho um ser que quase em seu primeiro ano de vida completo percebe-se
como uma extensão do corpo da mãe e nem sabe que é uma pessoa com corpinho
próprio e “independente”.
Não, não é justo. O bebê com o sentimento de
dependência; e a mãe, e o papai, e a avó, e a casa inteira, e a pediatra, e a
cuidadora, e a professora da creche, e a diretora, e a creche inteira com a
pressa de acostumar o bebê desde cedo com a ausência, que muito mais provoca e
constrói a solidão, a indiferença do que a sua autonomia.
E não é justo pensar que a cama compartilhada é
modismo. O bebê precisa e depende da mãe em tudo, e não há razões óbvias e
científicas para ser afastado de pertinho dela ao dormir.
Eu não me recordo se a minha colega finalizou o seu
relato e me fez saber a sua atitude; se ela fez valer o seu sentimento naquele
momento, e, repelindo a injustiça que ousava entrar em seu quarto, mascarada
por questões puramente culturais, pegou a sua criança ao colo e dividiu o seu
calor e o do seu cônjuge com ela; mas, posso garantir que, se ela agiu como a
maioria das mamães humanas naquele momento, ela sufocou o sentimento de justiça que
clamava dentro dela. Em vão, sentimento de justiça... A cultura sempre fala
mais alto, silencia a intuição da mãe, emudece novas informações; e a maioria
das pessoas, muitas vezes, apenas prefere dizer (pra si mesma e para os
outros): “Sempre foi assim...”
Livros, programas de TV, ‘Supernanny/s’, mães e
sogras, vizinhas, amigos e amigas oferecem ajuda para arrancar, quanto mais
cedo melhor, o bebê dos braços, do colo, do calor de sua mãe. Temos quase todos
esses doadores de opiniões (se não mais...) a apontar um monte de coisa na
educação de nossos filhos. Desde o seio materno (“Seu leite é fraco.”), o sono
(“Coloca pra dormir em seu quarto e em seu berço pra ficar independente.”), a
carência materna (“Deixa chorando pra não acostumar mal.”), ao que seriam os
primeiros passinhos (“Coloca no andador pra aprender a andar cedo.”). A nova
mãe recebe a interferência de pessoas que oferecem a todo instante ajuda e
palpites. E entregue aos seus “ajudadores”, por estar cansada do processo que,
naturalmente, é o de gestar e parir, a mãe dá permissão para arrebatarem o bebê
dos seus braços, e inicia uma caminhada muito diferente daquela traçada pela
natureza para si e para seu bebê.
É hora de trazer de volta sua criança para pertinho
de você, mamãe, proporcionando-lhe aquele calor que ela precisa para crescer
bem. Nenhum bom cobertor é capaz de tomar o lugar do corpo a corpo, do contato
materno (e paterno).
Não se trata de modismos; a arte do apego mãe-bebê
vem dos primórdios da história. Por que não deixarmos a maternidade seguir seu curso
natural? Por que não respeitarmos a nossa natureza mamífera e, assim como os
animais, acolher as crias com todo amor que a maternidade pode exalar?
E não somente a natureza mamífera. As aves trazem
para perto de si suas ninhadas, aconchegam-nas embaixo de suas asas, aquecem-nas com o
calor de seu sangue, afirmam e reafirmam o carinho, a maternidade e o amor; Cada
espécie, após determinados tempos, estipulados de forma tão perfeita pela
mãe-natureza, segue esvaziando-se de sua mamãe e abraçando seu destino. O ser
humano, que é capaz de pensar, raciocinar, tomar decisões e aprender como se
portar diante de cada situação nova, é o único que, incrivelmente, afasta de si
as suas crias.
O amor, o carinho, o
cuidado, podem ser muito mais claramente demonstrados ao seu filho com colo,
cama compartilhada, amamentação em livre demanda e aconchego. Comprovadamente,
o contato físico violento ou a ausência de contato e atenção contribui para o
aparecimento de problemas de ordem emocional, ao passo que o contato físico
afetuoso colabora para a construção da autonomia, da conexão necessária na
relação, tanto nesses momentos como posteriormente.
Dormir com seu bebê, mamãe e papai, em um "quarto família", não é como muitos pensam – que
deixará a criança eternamente condicionada a só dormir com os pais. Também
não tira a privacidade do casal (a casa tem outros cômodos... Além disso, se
você é daquelas pessoas que só curtem fazer sexo na cama, em vez de ter o
quarto do bebê, tenha o “quarto do casal / do sexo”, oras!). Também não é perigoso como muitas
pessoas falam (HÁ QUE SE OBSERVAR O CONJUNTO DE NORMAS GERAIS DE
SEGURANÇA DA CAMA COMPARTILHADA). Tomados todos os cuidados, desfrute sem medo dessa sua
decisão. Dormir com seu filho, ao passo que lhe transmite segurança e amor, comunica-lhe confiança para que, a seu tempo, busque a sua própria individualidade e
autonomia.
Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos
Andréa, estou extremamente feliz de ter "esbarrado" no teu blog. Já vi que tem textos excelentes, que outra hora, com mais calma, lerei.
ResponderExcluirAndo refletindo um bocado sobre esse negócio de independência. Meu filho é bastante dependente de mim e, honestamente, eu adoro. Mas ao mesmo tempo eu me preocupo. Não quero criar um menino que não faça nada sozinho. E ao mesmo tempo tenho um medo danado de que ele sofra desnecessariamente. A vida já tem muita frustração pra ele lidar, é tudo tão difícil lá fora, eu não queria que a vida dele em casa fosse difícil. Mas como ele vai estar preparado pra lidar com o mundo lá fora, se não precisa lidar em casa? Nossa, ser mãe é TÃO DIFÍCIL! Por exemplo: no café da manhã, que tomamos juntos todos os dias, o pai dele, ele e eu. Ele sempre quer sentar no meu colo. Mas ele já tem 4 anos. Devo continuar pegando no colo?
Outra coisa que eu acho difícil: limpar a bundinha depois do cocô. Já percebi que na escola não limpam mais, então como ele não sabe direito, às vezes vem sujo pra casa. Mas quando eu insisto pra que ele faça em casa, ele quase chora pedindo a minha ajuda. Como posso negar? O que eu faço é ficar junto dele e tentar orientá-lo da maneira correta, mas o argumento sempre é "na escola eu sei fazer, mas aqui eu não quero".
Quanto à cama, ele tem o quartinho e a cama dele, mas sempre vai pra nossa cama de madrugada. Nem implicamos mais com isso. Meu marido simplesmente pega as coisas dele e vai pro quarto de visita (somos muito grandes e a cama é muito estreita pra três...). Mas isso é um pouco cansativo, pois tem toda essa "movimentação" de madrugada...
Enfim, só queria compartilhar um pouco minhas preocupações. com certeza as leituras me ajudarão bastante.
Um abraço! Clarice
Olá, Clarice!
ExcluirPeço-lhe perdão pela demora em responder. Por uma questão de saúde, afastei-me de muitas atividades e tenho reduzido muito o meu tempo no uso do computador.
Fico extremamente feliz em ler o seu relato e saber que meus textos têm lhe ajudado.
Vamos a algumas questões:
1. "Meu filho é bastante dependente de mim e, honestamente, eu adoro. Mas ao mesmo tempo eu me preocupo. Não quero criar um menino que não faça nada sozinho. E ao mesmo tempo tenho um medo danado de que ele sofra desnecessariamente."
É comprovado cientificamente: quanto mais contato físico, carinho, amor, atenção, colo, dormir junto etc., a criança desenvolve mais cedo a autonomia e a segurança.
Não se preocupe em antecipar as fases naquilo que seu filho ainda está precisando e lhe pedindo ajuda. Vá ensinando aos poucos o seu filho, vá mostrando-lhe com carinho a importância de ele aprender e fazer coisas novas. Se, mesmo de uma forma tranquila, ele não mostrar interesse, dê um tempo e depois recomece. Um dia, ele vai aprender e vai querer fazer só (Não se preocupe, nenhuma criança de 10 ou 12 anos vai querer sua mãe limpando-lhe o bumbum... rs)
Sobre ele fazer na escola, e em casa mostrar dependência, o fato parece-me evidência de que ele tem em vc seu porto seguro, e é pra vc que ele mostra que ainda não está pronto para a tarefa! É verdade que muito raramente uma criança de 4 anos vai conseguir limpar o bumbum sozinho. A sua coordenação motora ainda não está desenvolvida para executar BEM a tarefa...
"Quanto à cama, ele tem o quartinho e a cama dele, mas sempre vai pra nossa cama de madrugada."
Ele faz isso porque não está se sentindo seguro para dormir só ainda. Acolha-o, acolha-o, acolha-o sem medo de "estragar" o seu crescimento e desenvolvimento. Entendo que é complicado quando a cama não acomoda bem a família inteira. Sugiro que vc dialogue com seu marido e, juntos, tentem encontrar alguma boa alternativa.
No mais, desejo-lhe, e à sua família, tudo de bom. E que criem esse lindo menino cada vez com carinho e aconchego.
Abraços.
Oi Andréa!
ExcluirTambém demorei pra ver tua resposta, mas fico feliz de ter visto.
Continuo "estragando" meu filho, abraçando, beijando e pegando no colo. E agora, para evitar possíveis transtornos de madrugada, resolvemos colocar a cama dele ao lado da nossa. Assim ele dorme na própria cama (a maior parte do tempo... rs), mas tem a segurança do pai e da mãe ao lado dele.
Obrigada pela ajuda!!!