sábado, 7 de julho de 2012

Deixe a criança crescer!

Um pouco de reflexão

Deixe a criança crescer!

A vida não nos dá respostas prontas. E são muitos os questionamentos que ela todo dia nos apresenta. Na busca por soluções, muitas vezes encontramos quem somos e porque somos. Entender quem somos não é tarefa fácil, porque nos formamos principalmente das experiências do passado.

O adulto que somos hoje é a criança que ontem fomos e que, por muitas razões, pode encontrar-se ainda adormecida dentro de nós. Ora, uma criança dormida eternamente não cresce, não aprende, não vive. É necessário deixar a criança crescer, ela não pode diminuir-se dentro de um adulto, pois a criança nele encolhida dificultará também o crescimento desse adulto, esmagá-lo-á, chutar-lhe-á o ventre e o coração e nunca o deixará viver plenamente. 

Há muitos adultos que não cresceram, que não conseguem desprender-se da criança que está dentro deles, que não conseguem andar com os próprios passos, que usam as mãos dos outros para tentarem tecer a própria vida. É vão acharmos que podemos andar com os pés de outrem. “Cada pessoa é um ser único”, a cada dia tão livre que já não pode andar de mãos dadas. História única, coração único para amar ou odiar. Portanto, esse adulto nunca conseguirá construir a sua vida usando de outras mãos. Ele encontrará sempre estradas nas quais terá que caminhar sozinho, pontes tão estreitas que terá que atravessar só.

Deixar a criança crescer implica em educar. Educar não é tarefa fácil. Um adulto que não sabe andar sozinho hoje tem dentro dele a criança de ontem a quem não se ensinou seus limites, ou a quem não se permitiu andar, correr e provar o gosto da existência. Isso acontece porque na vontade por educar bem, por fazer o filho ser “alguém na vida”, muitos pais acabam perdendo a essência dessa ação; e negam a seus filhos o direito/dever de conhecer seus limites, ou impõe-lhes regras severas, castigando-lhes o corpo e até a alma. 

O castigo corporal não marca apenas o corpo físico, ele embaraça o ser interior, por vezes tão frágil e tão terno; ele destrói, também mata. É um agravo à dignidade humana. Não há como diferenciar castigo físico “educativo” de violência. No entanto, o hábito está tão incutido na mente das pessoas, pela cultura impregnada há tanto tempo, que elas não conseguem enxergar mal algum. O caso da iraniana Sakineh, condenada à morte por adultério, exemplifica muito bem esse fenômeno, pois sendo no Irã comum a pena de morte por apedrejamento, comum também é ver muitas pessoas perderem a vida com tamanha crueldade, atitude que passa a ser algo natural, não mais despertando nos acusadores sentimentos de aflição, compaixão ou culpa.

É tudo uma questão cultural, parental. As severas punições físicas sofridas pelos negros, considerados apenas um instrumento de trabalho, eram vistas como naturais. Muito comum também era a mulher apanhar de seu marido e manter-se em silêncio, pois deveria respeitá-lo. Antigamente acreditava-se que a educação na escola deveria acontecer com castigos físicos, então assim a educação acontecia. A palmatória, inicialmente usada pelos jesuítas aos indígenas resistentes à aculturação e estendida aos negros no período da escravidão, foi levada para as escolas brasileiras ao final do século XIX. Comum era os filhos chegarem em casa afirmando terem dado as mãos à palmatória na ‘hora da tabuada’. 

O tempo, que se encarrega das mudanças, da quebra da cultura, por vezes desgraçada, o tempo que aponta novos horizontes e novos caminhos faz romper muitas barreiras. Os negros e as mulheres conquistaram o direito de serem respeitados, de serem iguais a toda a criatura de sua espécie. Nas escolas brasileiras o uso da palmatória foi definitivamente abolido, com a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, embora seu uso ainda seja popular em alguns países orientais. É triste, mas apesar de todo o processo que levou ao fim da punição física nas escolas, a discussão sobre castigos físicos na educação familiar continua. Às crianças o destino pregou uma crueldade maior, pois a permissividade em invadir-lhes a carne dava-se exatamente às pessoas a quem mais amam: seus pais. O hábito venda os olhos das pessoas a ponto de tornarem-nas cegas, insensíveis, desumanas. 

Ora, se a Educação é tão importante no processo de humanização do ser humano, como humanizar uma pessoa, um ser em formação de caráter e de personalidade, fazendo justamente o que a proibimos de fazer? É nato da criança imitar comportamentos que vê; educar é permitir-se, portanto, ser espelho, é ensinar a andar, é mostrar o caminho, é dar a mão, é amar. Educar é formar, fazer gente. E nesse processo damos a essa gente o fôlego de vida ou de morte. Como afirma T. D. Jakes em seu livro A dama, seu amado e seu Senhor, traduzido por Neyd Siqueira “A criança é herdeira do sucesso ou do sofrimento”. 

O sofrimento, no entanto, não nos pode determinar o destino.  É necessário, muitas vezes, trilhar por caminhos escuros em busca da luz... Um adulto que não cresceu pode inventar outras formas de andar, libertar-se da criança que o esmaga, que o acorrenta, que o maltrata. “Às vezes a gente sofre determinadas coisas porque é a gente que tem que fazer uma nova história.” (Tatiana Cavalcante). É preciso buscar por uma saída, buscar uma nova história. E como fazer uma nova história senão mudando nossa própria forma de pensar, mudando os nossos movimentos ao tecer a própria vida? E nessa busca é preciso, às vezes, romper barreiras. Persistir, romper, romper, persistir!


Andreia Cristina Mascarenhas Nascimento



Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos

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