quarta-feira, 20 de maio de 2015

Nossos filhos, as conjunções adversativas e o exemplo.


(Andréa Mascarenhas)

Sem querer, eu desarrumei as pedras de dominó que ele havia posto sobre a mesa, enquanto trocava a toalha por uma limpa. Já tinha combinado que após arrumar a cozinha, iríamos jogar algumas partidas, mas o que eu não havia percebido era que as pedras já estavam divididas em dois grupos, esperando-me para a primeira jogada.

Assim q terminei a troca da toalha, ouvi-o, bravo:
- Mamãe, que coisa! Por que você misturou as peças do dominó ‘assim tudinho’? (e com mãos, braços e antebraços fez sinal demonstrando no ar coisas embaraçadas)
- Eita, filho! Não vi que você já tinha arrumado. Você me desculpa?
- Sim, desculpo, MAS NÃO FAÇA MAIS ISSO...

“...mas não faça mais isso...” Mas... Mas... Mas... – Por que ele impôs essa condição? Não me soou confortável ouvi-la; Essa vida apressada promete-nos um monte de erros para com os nossos filhos. E se eu, na minha desatenção de mãe, fizesse isso ou coisa parecida outra vez? O que ele estaria dizendo com aquilo, que não me desculparia uma segunda vez? Mas... A primeira pergunta não deveria ser nenhuma dessas. Ei-la: “Com quem será que ele aprendeu a falar assim?”

As crianças não nascem conhecendo as conjunções adversativas; não, não, não...

Ah, mas eu sou a mãe, eu sei ensinar, eu ensino sempre as coisas certas, eu sou atenta, eu respeito o meu filho sempre, eu sei que ele me imita e eu estou atenta; eu o vejo, eu o admiro o tempo todo... Eu, eu, eu... “Espelho, espelho meu, há nesse mundo uma mãe mais coruja que eu?” Reflexão, intuição, vigilância, atenção. Mistério, sabedoria, enxergar através da escuridão...
Espelho-exemplo-espelho-exemplo-espelho-exemplo. Será? Será?
Sim. Fui eu! Mas somos nós as mães, os pais, os educadores; não poderíamos errar, não é? 

Deveríamos ter, ao menos, 99,9% de acertos com eles. Puxa... Somos as mães, os pais, os educadores; não deveríamos dar o exemplo o tempo todo aos nossos filhos? Mas-porém-todavia-contudo-entretanto impomos condições para desculpar-lhes os erros (“Eu lhe desculpo, MAS não faça mais isso, viu, filho?”). Que decepção de ter-lhe ensinado a desculpar de forma tão equivocada. Desculpas são desculpas; perdão é perdão e pronto.

Nos momentos de agitação ou pressa ensinei ao meu filho que desculpamos aos outros em seus erros, mas impomos condições e lhes cobramos posições adversativas. Mas-porém-todavia-contudo-entretanto toda mãe coruja tem o direito de errar também. Aproveito o momento para reflexão e me vejo em alguns outros erros. Dou uma volta nas famosas conjunções e encontro-me ensinando-lhe as condicionais. Elas combinam com ameaças. Elas são péssimas. Elas não deveriam nunca ser ditas a uma criança: “Se você fizer isso de novo...” Se-caso-contanto que-salvo se-desde que-a não ser que você me prometa não fazer mais isso...

Essas e outras conjunções, sejam adversativas ou condicionais, estão presentes na nossa relação com os filhos o tempo todo, por quê?

Costumamos tratar as crianças como se elas não fossem passiveis de erros, como se elas tivessem o dever de acertar sempre e, ao mesmo tempo, como se elas não aprendessem o tempo todo com os nossos exemplos e palavras...

A forma com que tratamos as crianças vem de uma cultura que, impregnada em nossa mente, muitas vezes não nos permite enxergar as coisas como elas são. Cobramos de nossos filhos coisas que os seus pequenos cérebros (em formação até os 7 anos) ainda não têm a mínima condição de apreender.

Bem, já tranquilo, passado o efeito da chateação que sentiu por mim naquele momento, arrumou novamente as pedras de dominó. E brincamos. E jogamos. Levei um susto quando ele, fitando o olhar forte em mim, falou-me: “Mamãe, vc sabia que uma criança de sete anos fugiu porque ele queria outra mãe? Entendeu, mamãe?” Perdi o fôlego, recebi uma acusação; agora era mais grave, era mais grave?! Eu não sei de onde ele tirara isso; por certo, devia ter assistido de relance em algum programa na TV; ou ouvira alguma conversa de adultos. Eu não sabia de que ele estava falando, mas doeu-me cá dentro...

Mas-porém-contudo-todavia-entretanto ele completou: “Mas ‘ó’, mamãe, o que eu faço pra você, ‘ó’.” E desenhou suavemente, com a ponta de seus dedinhos indicadores, um lindo coração no ar, completando: “Mas você, minha mãe, você é a mãe melhor do mundo. Um coração ‘enormão’ para você, assim, ‘ó’!”

Ufa! Que alívio...
Mas-porém-contudo-todavia-entretanto ficarei mais atenta; acho melhor, né? rs

Andréa Mascarenhas

Nenhum comentário:

Postar um comentário