(Andréa Mascarenhas)
Sem querer, eu desarrumei as
pedras de dominó que ele havia posto sobre a mesa, enquanto trocava a toalha
por uma limpa. Já tinha combinado que após arrumar a cozinha, iríamos jogar
algumas partidas, mas o que eu não havia percebido era que as pedras já estavam
divididas em dois grupos, esperando-me para a primeira jogada.
Assim q terminei a troca da
toalha, ouvi-o, bravo:
- Mamãe, que coisa! Por que você misturou as peças do dominó ‘assim tudinho’?
(e com mãos, braços e antebraços fez sinal demonstrando no ar coisas
embaraçadas)
- Eita, filho! Não vi que você já
tinha arrumado. Você me desculpa?
- Sim, desculpo, MAS NÃO FAÇA
MAIS ISSO...
“...mas não faça mais isso...”
Mas... Mas... Mas... – Por que ele impôs essa condição? Não me soou confortável
ouvi-la; Essa vida apressada promete-nos um monte de erros para com os nossos
filhos. E se eu, na minha desatenção de mãe, fizesse isso ou coisa parecida outra
vez? O que ele estaria dizendo com aquilo, que não me desculparia uma segunda
vez? Mas... A primeira pergunta não deveria ser nenhuma dessas. Ei-la: “Com
quem será que ele aprendeu a falar assim?”
As crianças não nascem conhecendo
as conjunções adversativas; não, não, não...
Ah, mas eu sou a mãe, eu sei
ensinar, eu ensino sempre as coisas certas, eu sou atenta, eu respeito o meu
filho sempre, eu sei que ele me imita e eu estou atenta; eu o vejo, eu o admiro
o tempo todo... Eu, eu, eu... “Espelho, espelho meu, há nesse mundo uma mãe
mais coruja que eu?” Reflexão, intuição, vigilância, atenção. Mistério,
sabedoria, enxergar através da escuridão...
Espelho-exemplo-espelho-exemplo-espelho-exemplo.
Será? Será?
Sim. Fui eu! Mas somos nós as mães, os pais, os educadores; não poderíamos errar, não é?
Sim. Fui eu! Mas somos nós as mães, os pais, os educadores; não poderíamos errar, não é?
Deveríamos ter, ao menos, 99,9% de acertos com eles. Puxa...
Somos as mães, os pais, os educadores; não deveríamos dar o exemplo o tempo
todo aos nossos filhos? Mas-porém-todavia-contudo-entretanto impomos condições
para desculpar-lhes os erros (“Eu lhe desculpo, MAS não faça mais isso, viu,
filho?”). Que decepção de ter-lhe ensinado a desculpar de forma tão equivocada.
Desculpas são desculpas; perdão é perdão e pronto.
Nos momentos de agitação ou
pressa ensinei ao meu filho que desculpamos aos outros em seus erros, mas
impomos condições e lhes cobramos posições adversativas. Mas-porém-todavia-contudo-entretanto
toda mãe coruja tem o direito de errar também. Aproveito o momento para
reflexão e me vejo em alguns outros erros. Dou uma volta nas famosas conjunções
e encontro-me ensinando-lhe as condicionais. Elas combinam com ameaças. Elas
são péssimas. Elas não deveriam nunca ser ditas a uma criança: “Se você fizer
isso de novo...” Se-caso-contanto que-salvo se-desde que-a não ser que você me
prometa não fazer mais isso...
Essas e outras conjunções, sejam
adversativas ou condicionais, estão presentes na nossa relação com os filhos o
tempo todo, por quê?
Costumamos tratar as crianças
como se elas não fossem passiveis de erros, como se elas tivessem o dever de
acertar sempre e, ao mesmo tempo, como se elas não aprendessem o tempo todo com
os nossos exemplos e palavras...
A forma com que tratamos as
crianças vem de uma cultura que, impregnada em nossa mente, muitas vezes não
nos permite enxergar as coisas como elas são. Cobramos de nossos filhos coisas
que os seus pequenos cérebros (em formação até os 7 anos) ainda não têm a
mínima condição de apreender.
Bem, já tranquilo, passado o
efeito da chateação que sentiu por mim naquele momento, arrumou novamente as
pedras de dominó. E brincamos. E jogamos. Levei um susto quando ele, fitando o
olhar forte em mim, falou-me: “Mamãe, vc sabia que uma criança de sete anos
fugiu porque ele queria outra mãe? Entendeu, mamãe?” Perdi o fôlego, recebi uma
acusação; agora era mais grave, era mais grave?! Eu não sei de onde ele tirara
isso; por certo, devia ter assistido de relance em algum programa na TV; ou
ouvira alguma conversa de adultos. Eu não sabia de que ele estava falando, mas
doeu-me cá dentro...
Mas-porém-contudo-todavia-entretanto
ele completou: “Mas ‘ó’, mamãe, o que eu faço pra você, ‘ó’.” E desenhou
suavemente, com a ponta de seus dedinhos indicadores, um lindo coração no ar,
completando: “Mas você, minha mãe, você é a mãe melhor do mundo. Um coração
‘enormão’ para você, assim, ‘ó’!”
Ufa! Que alívio...
Mas-porém-contudo-todavia-entretanto
ficarei mais atenta; acho melhor, né? rs
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