Andréa Mascarenhas
Tenho
refletido sobre o conceito de limites e em escrever de forma descomplicada sobre o tema, a fim de apontar
dicas práticas de como os limites, tão necessários em nossa convivência, podem
ser cultivados passo a passo na infância; e, principalmente, com a intenção de
provocar uma reflexão a respeito da equivocada relação que muitas pessoas fazem
entre punição e limites.
Muitos
pais e mães, ainda que tão afetuosos, temem que seus filhos fiquem “malcriados”
e, assim, deixam de dar-lhes acolhimento, em situações de conflito; evitam
qualquer conexão amorosa com eles, por medo de estarem oferecendo excesso de
afeto, de contato físico e de interação. Na "hora de dar limites” abrem a carranca,
fecham os braços, negam contato.
Qual
seria a “hora de dar limites”, na concepção de muitos pais? A hora da
repreensão? Seria a hora do ‘não’? A hora de apontar alguma necessária
consequência?
Já
direi aonde quero chegar...
Há
pais que separam a relação com os filhos em dois grandes momentos: Momento da
interação amorosa x Momento do limite.
Pode
ser que o caro leitor, certamente um pai ou uma mãe, esteja se perguntando se,
de fato, não há esses dois grandes momentos.
Convido-o
a pensar no conceito e no significado do termo ‘limite’, essa ‘coisa’ tão
ansiosamente tentada pelos pais e tão aclamada pela sociedade (“Essa juventude
de hoje precisa de limites”; “Esses meninos de hoje não tiveram limites”...).
Pensando em significados cabíveis ao termo ‘limites’, destaco “linha de
demarcação; extremo, fim; ponto que não se deve ultrapassar.” Utilizando-me
deles, questiono: Por que limites seriam estabelecidos como punições? Parece-me
que a punição seria algo exatamente contrário a limite, já que punir não implica em orientação
à “linha”, ao “ponto”; não ensina a empatia, não ensina o respeito e não ensina
a resolver problemas.
Quero mencionar um fato que ocorreu ao meu bebê,
quando tinha apenas 11 meses de idade. Peço que não interpretem o exemplo como se um
bebê com menos de 1 aninho fosse capaz de compreender limites. Percebam como um
exemplo de perseverança, atenção, cuidado e empatia, elementos necessários à compreensão dos
limites.
Quando, ainda em seus
primeiros passinhos, meu pequeno jogava-se pelo chão à procura de espaços a
explorar, ele se apaixonou por uma gaveta de seu guarda-roupa. Eu retirei dela
qualquer coisa que pudesse machucá-lo e deixei apenas alguns
brinquedos e umas fraldas descartáveis que ele adorava mexer.
Mas meu pequeno menino não gostava apenas de
mexer no conteúdo da gaveta, ele (assim como todos os bebês), adorava abrir e
fechar gavetas.
Então acabava por prender os dedinhos quando, feliz da vida, ia fechar essa gaveta. Eu
ficava com enorme sentimento de culpa, acariciava seus dedinhos e ficava ali, para
impedi-lo de se machucar de novo. Para não precisar ficar vigiando-o de tão perto,
acabei por colocar uma almofada no canto esquerdo da gaveta e, assim, quando ele ia fechá-la, não se
machucava, pois a
almofada impedia que a gaveta se fechasse por completo...
Não duvido que alguém ao ler
este episódio esteja me intitulando de
‘mãe superprotetora’. Talvez as mesmas mães que, na ânsia
de impor limites e querendo criar o filho da forma mais correta possível,
deixariam o bebê bater os dedinhos por várias e várias vezes “até ele aprender que não se
mexe em gavetas...” Porém quero dizer-lhe que uma criança não precisa passar pela dor para aprender limites. Mas esse é assunto para outro
texto.
Passados alguns dias, eu me esqueci de colocar a
almofadinha milagrosa e... vocês já podem imaginar o que aconteceu, não é? Ele
prendeu novamente os dedinhos
e
se machucou mais ainda, devido às minhas atitudes de “superproteção”
anteriores?
Em aproximadamente 40 vezes
que contei esse exemplo, em palestras
sobre educação não violenta, 99% das mães responderam morrendo de dó: “Oh...
Prendeu os dedinhos novamente...” Porém quero te contar que não. O meu pequeno
não machucou os dedinhos, sabe por quê? Por que eu usei de uma estratégia de proteção
que também estava orientando-o a compreender seus limites e, magicamente, eu o
ensinei até aonde poderia ir a sua mãozinha, pois a gaveta, a partir desse dia,
ainda que não houvesse almofada, só
era fechada até aonde ia quando estava com ela.
Voltando ao conceito de
limites, podemos ver no exemplo a “linha
de demarcação, o extremo, o fim, o ponto que não se deve ultrapassar”?
Sentimos falta de alguma coisa negativo-punitiva
nessa “demarcação”? Que elementos estiveram presentes nesse
exemplo? Podemos notar “limites” estabelecidos pela presença, empatia,
carinho, proteção, acolhimento?
Eu apenas permiti ao meu
filho aprender da forma oportuna, como uma criança tão nova pode “aprender”;
pois nunca um bebê de 11 meses seria capaz de compreender palavras como: “Na
hora de fechar a gaveta, observe o limite para não machucar as mãos”, ou: “Não
mexe nessa gaveta que ela pode
te
machucar, menino!”.
Não estou dizendo com isso
que algo negativo jamais
deva acontecer na caminhada em direção aos limites. Há que se compreender as
fases por que passam as crianças e adotar práticas que as levem à construção de
seus próprios limites, orientando-as de acordo com a capacidade de compreensão de cada uma.
Algumas vezes, vamos precisa usar o ‘não’, obviamente. Mas este não precisa ser
acompanhado da negação do afeto, do isolamento etc. Muitas vezes, o ‘não’ é
muito bem dado através de um ‘sim’. Vamos refletir mais um pouquinho e
compreenderemos...
É só pensarmos em como
proporcionar a uma criança a construção de limites de forma tranquila e
amorosa. Utilizando-me de um exemplo prático, quando você obriga uma criança a
arrumar seus brinquedos e ela cata tudo, ainda que se acabando em
choro, porque naquele momento queria estar fazendo outra coisa, você está
ajudando-a a estabelecer limites?
Eu diria que, além de não
acreditar que uma ação forçada possa conduzir a aprendizados reais, você está
perdendo uma grande oportunidade de ajudá-la a construir limites mais amplos,
mais claros, melhor definidos e, ainda, sem estresse para ambos/as. Por que
para aprender noções de organização seria necessário pressionar um filho a
fazer algo para o qual, no momento, não está tendo disposição? Seria por querer
“ensiná-lo para a vida”, já que, na fase adulta, ele vai precisar fazer algumas
coisas mesmo sem vontade? Seria para não “virar preguiçoso”? E se nós
listássemos quantas vezes deixamos de fazer algo porque, mesmo
sabendo da necessidade de executá-lo, estávamos indispostos? Podemos refletir, ainda,
como nos sentiríamos se alguém nos obrigasse a fazê-lo? Será que tendo aprendido, na
infância, o conceito de organização, por exemplo, não correríamos o “risco” de cometer
falhas?
E que grande oportunidade
você estaria perdendo ao obrigar a criança a apanhar seus brinquedos sem vontade?
Simples. Se você, em vez de puni-la, obrigando-a a pegar os brinquedos,
recolhesse estes junto com ela, poderia estar ensinando-lhe lições de
solidariedade e de respeito - e não apenas de organização. É o que acontece
quando não separamos o momento da interação amorosa do momento de criar
limites. Proporcionamos um aprendizado bem mais amplo. Em outras palavras,
quando eu apontei a solidariedade como um valor possível de ser praticado e
apreendido nesse contexto, eu me referia ao fato de que o seu filho, ao vê-la
ajudando-o, entenderia que é muito bom ajudar o outro em suas necessidades. Ao
citar o respeito, foi pensando que ele, enquanto foi respeitado na sua
indisposição de pegar os brinquedos naquela hora, pode estar apreendendo um
lindo e necessário valor chamado respeito, ao compreender que não é bom obrigar
o outro a fazer algo contra a própria vontade. Isso só é cabível quando se trata de
algo inevitável
ou
quando envolve a segurança de alguém, por exemplo.
Sempre que
posso, eu ajudo meus filhos a recolherem os seus brinquedos e a limparem o chão
quando derramam algo, por acidente. Evito as broncas: “Presta atenção! Viu o
que você fez?” Acho mais educativo, falar respeitosamente: “O que houve? Como
podemos fazer para evitar que isso aconteça de novo? Não tem problema, eu te
ajudo a limpar!”
Certa vez, ‘do
nada’, quem derrubou algo fui eu! Fiquei visivelmente nervosa. E o pequeno (na época, com apenas 2 aninhos e meio): -
“Calma, minha mãe! Eu te ajudo a pegar!” – E recolheu muito mais do que eu...
Então, caro leitor, você
consegue perceber a presença de limites no exemplo dado? Consegue compreender
que “dar limites” não tem, necessariamente, relação com algo negativo? Pode
perceber que um não pode ser dado tranquilamente através de um ‘sim’? Quando eu
digo “Sim, eu lhe ajudo a recolher os brinquedos.”, estou lhe ensinando a não fazer descaso das pessoas em
suas necessidades, não é? Quando eu digo “Sim, você pode apanhar os brinquedos
assim que estiver com mais disposição.”, eu estou dizendo ‘não’ ao desrespeito,
à falta de sensibilidade, confere? Então, quando eu ensino respeito e
solidariedade eu estou apontando limites, certo? Enfim, se fôssemos analisar
mais a fundo o exemplo citado acima, certamente encontraríamos outras grandes
oportunidades de aprendizado.
Retomando a nossa reflexão,
podemos compreender que ajudar a criança a estabelecer seus limites é algo
muito mais amplo? Podemos perceber que não há um momento específico para a
construção de limites?
Escrevi, dia desses, uma
experiência vivenciada com meus filhos, mais precisamente com o de 4 anos,
quando valendo-se
da força de uma “torcida”,
consegue tomar os remédios mais amargos, se necessário, e ainda ajuda o irmão a
conseguir também.
Então, estaria pensando que
nada tem a ver com limites?
E se considerarmos a lição
de solidariedade implícita no fato? A criança aprende a torcer pelos outros,
aprende a se colocar no lugar do outro, a não desprezar os sentimentos do
outro, a não rir da tristeza do outro, isso também não significa
aprender limites? Podemos perceber, ainda, que mais importante que ensinar à
criança a obediência e a responsabilidade, é ensinar-lhe, pelo
exemplo, lições de cooperação, solidariedade e respeito, com perseverança,
empatia e afeto... Isso é ensinar-lhe limites.
E não há
“linhas demarcadas” e “fim de linha” na construção de estratégias para formar
os limites. Não há o “momento do limite”; há a interação constante, as oportunidades que nós, adultos, precisamos aproveitar.
Aliás, não há limites e nem regras para ensinar limites...
Andréa Cristina Mascarenhas Nascimento dos Santos
Seu texto está excelente! Como sempre, ao ter contato com seus escritos e palestras , reflito sobre o caminho que tenho seguido na criação de meu filho. Percebo que , em vários, momentos eu consigo aplicar a disciplina positiva e percebo que o efeito é bem melhor.
ResponderExcluirParabéns querida!!!!!!!!!
Abraços,
Daniela Nepomuceno
Obrigada!
ExcluirParabéns a vc tbm que está se dedicando a educar seu filho com carinho e apego. Ao aplicar a DP, vc se permite crescer junto a seu filho; e isso é maravilhoso! Abraço!
Que texto lindo! Tenho praticado esses limites regados à empatia e como é maravilhoso.. Quando minha filha (3 anos e meio) fica triste ou chateada e chora por qq motivo eu sempre tento acalmá-la, perguntando se ela está bem, dizendo que vai ficar tudo bem, pra ela se acalmar, respirar fundo.. e por aí vai. Esses dias era eu que estava triste e chateada e ela fez o mesmo comigo, perguntou se eu estava chorando se estava triste e ela me disse: fica calma mamãe vai dar tudo certo, já vai passar.. ahhh foi tão bom receber esse acolhimento nesse momento. Tudo de bom! Parabéns por semear a sementinha do bem ♥
ResponderExcluirLindo depoimento, Daniela!
ExcluirParabéns a vc tbm, por se permitir amar sem limites e orientar sua filha através do EXEMPLO!
Super abraço!
Que texto maravilhoso hoje mesmo passei por umas das experiencias citadas, Eloa minha filha de 1 ano e 10 meses adora ajudar os outros pois aqui em casa tudo qye faço ela me ajuda e hoje ela brincou e nao quiz guarda mesmo eu dizendo que ajudaria ai fui fazer outra coisa e ela tbm ai do nada ela faliu mamae vou guarda para nai perde eu disso isso mesmo.filha ai ela foi mad como tinha bastante ela foi me chamar mamae vc me ajuda a guarda, e assim guardamos e ela nao ficou irritada e fomos brincar de outra coisa, eu amo essa DP pois depois no nasc. Dela eu me tornei uma pessoa melhor passei a ver as coisas de outro jeito e.hoje sou muito com minhas escolhas,abraços
ResponderExcluirNaná, que lindo depoimento! Parabéns por fazer diferente da maioria. Continuemos! Abraços.
ExcluirParabéns pelo texto e exemplos!
ResponderExcluirTenho um filho de 8 meses que já demonstra bastante personalidade e aos poucos, ele me ensina um pouco e eu também. Essa relação de pai-filho e educação/convívio é um exercício infinito, porém com uma estrada meio nublada, por ser pai de primeira viagem, talvez. Graças à textos como o seu, as coisas ficam um pouco mais claras nessa jornada da minha família. Obrigado.
Parabéns, Daniel! Continue trilhando o caminho da Disciplina Positiva, que envolve paciência, compreensão, diálogo, carinho, reflexão e aprendizado diário, para ambos, pai e filho. Todos saem ganhando. Abraço!
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